A revista do Sindicato dos Advogados, a Ampliar, traz
uma entrevista exclusiva com o ex-ministro da Casa Civi, José Dirceu.
Disponibilizamos a íntegra da entrevista aqui no site.
A revista pode ser obtida na sede do Sindicato - os
associados receberão um exemplar pelo correio.
O ex-ministro da Casa Civil, José
Dirceu, foi condenado pelo STF no julgamento da Ação Penal 470. Em entrevista
exclusiva à revista Ampliar, ele fala sobre o julgamento e de seu futuro:
Ampliar: Tendo em vista a tradição do Judiciário, a aceitação
da tese da PGR, na AP 470, da teoria do “domínio do fato” foi um casuísmo
contra o PT e os partidos da base de apoio a Lula e Dilma?
José
Dirceu: Não se trata de casuísmo, mas sim o recurso que o Supremo encontrou
para me condenar mesmo sem provas. A teoria do domínio do fato exige que se
prove a culpa do mandante. Esta tese jamais poderia ser aplicada contra mim,
nenhuma prova foi apresentada em meu desfavor, dezenas de testemunhos estão
juntados no processo, atestando minha inocência.
Ampliar:
O poder que procuradores e magistrados passam a
ter com a tese do “domínio do fato” pode ser acusado de arbitrário?
José
Dirceu: A mesma injustiça poderá ser cometida contra qualquer cidadão Brasil
afora. O exemplo do uso de uma teoria estrangeira para suprir a falta de provas
poderá atingir outras pessoas inocentes, o que é muito preocupante.
Ampliar: Em uma nota em seu blog, o senhor desenvolve a tese de que a
sua condenação seria um ataque às prerrogativas do direito de defesa. Por que,
tendo em vista esta preocupação, a sociedade organizada em geral não tem
mostrado a mesma preocupação?
José
Dirceu: Não há dúvidas de que o julgamento da Ação Penal 470 flexibilizou
garantias fundamentais da Constituição e comprometeu nosso direito de defesa.
Mas a sociedade não está quieta e há meses já se manifesta contra as decisões
do STF. A prova disso é que em setembro, quando ficou claro o ritmo de
condenações no STF, mais de 300 formadores de opinião, entre intelectuais,
artistas, acadêmicos e lideranças sociais e políticas, publicaram manifesto
preocupados com a espetacularização do julgamento, promovido pelos grandes
veículos de comunicação. Também alertaram para o risco de se exigir e alcançar
condenações por uma exemplaridade falsa e forçada. Os abaixo assinados
repudiavam ainda o linchamento público e defendiam a presunção de inocência.
Em
poucos dias, mais de 4 mil pessoas assinaram o manifesto em todo o país, porém
a notícia passou longe da grande imprensa. De lá pra cá, cresce a cada dia o
número de artigos de juristas e professores de Direito preocupados com o rumo
que o Supremo tomou, quebrando jurisprudências, aplicando indevidamente teorias
como a do domínio do fato e elevando o tom político, o que demonstra cada vez
que se trata de um julgamento de exceção.
Ampliar: O senhor concorda que a mídia influenciou,
decisivamente, em sua condenação?
José Dirceu: Há sete anos fazem uma campanha dura e quase diária para me
condenar e tentam associar meu nome a cada nova denúncia de corrupção. Atingir
a mim, então ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, era a estratégia
traçada para desestabilizar um projeto que começava a mudar a cara do Brasil.
Vencidos nas urnas, optaram por atacar o apoio político e a ética do partido. É
com este objetivo que a denúncia da Procuradoria-geral da República e a Ação
Penal 470, no Supremo, ganharam o status de maior processo no combate à
corrupção no Brasil, quando me elegeram o chefe da quadrilha de um sofisticado
esquema criminoso. Grande parte da mídia sempre foi aliada à oposição e, agora,
transformou o julgamento da Ação Penal 470 em um espetáculo com transmissão ao
vivo e reportagens que privilegiaram a acusação, com pouco espaço para o
contraditório. A maioria dos colunistas e boa parte dos editoriais não
esconderam o desejo por condenação, deixando a presunção de inocência, por
exemplo, em segundo plano.
Ampliar:
O senhor, em seu blog, sempre denunciou que a
oposição tem um discurso golpista ao utilizar instituições públicas como o TCU
e o Ministério público para tentar desestabilizar os governos de Lula e Dilma.
A seu ver, esta prática, com o julgamento da AP 470, chegou ao STF?
José
Dirceu: Não há dúvida. O julgamento foi pautado por uma crescente politização
do Judiciário e os ministros, em seus votos, incorporaram discursos políticos,
atendendo a pressão da grande mídia para tornar o caso o “exemplo do combate à
corrupção”. O mais preocupante, no entanto, é a Suprema Corte rever
jurisprudências de décadas e recorrer à teoria do domínio do fato para me
condenar, com base em indícios, sem provas. Recorreram à teoria, mas a
aplicaram de maneira errada porque ela não dispensa a necessidade de provas que
atestem a culpa do réu. O STF inaugurou uma nova e perigosa era em que se
admite condenar a pessoa pelo cargo que ocupa e não por aquilo que faz. Fui
condenado por ser ministro. Minha inocência está provada nos autos, nas dezenas
de testemunhos e documentos que mostram que sou inocente.
Ampliar: Não temos visto a mesma postura da mídia e do Ministério
Público em relação aos chamados “Mensalão de Minas” (PSDB) e “Mensalão do DEM”,
o que podemos atribuir este tratamento diferenciado?
José
Dirceu: A pergunta cabe à Procuradoria-geral da República e ao próprio STF. Mas
é certo que não há na mídia o mesmo empenho em ver o caso apurado e julgado. O
que só nos permite concluir que o objetivo, no caso do chamado mensalão, sempre
foi atingir o PT e o projeto de governo que começava a ser construído pelo
presidente Lula. Tentaram, mas não conseguiram. Lula foi reeleito em 2006 e o
povo elegeu Dilma em 2010 confiante que as mudanças para um Brasil melhor ainda
estão em curso.
Ampliar: O Senhor acha que o STF dará ao Mensalão de Minas e ao Mensalão
do DEM o mesmo tratamento que deu a AP 470?
José
Dirceu: O tratamento diferenciado dado ao Mensalão Tucano é acintoso e
contraditório em relação à Ação Penal 470. No nosso caso, o Supremo decidiu não
desmembrar, mantendo na casa os processos contra todos os réus que não tinham
foro privilegiado. Apenas os parlamentares que tinham mandato à época da
denúncia deveriam ter sido julgados pelo STF. Com isso o julgamento teria
demorado poucas semanas e os réus teriam o direito constitucional da dupla
jurisdição respeitado. Já no caso do Mensalão do PSDB, que é mais antigo e era
operado pelo mesmo Marcos Valério, o mesmo Supremo decidiu corretamente pelo
desmembramento. Como explicar os dois pesos e as duas medidas? Fato é que,
quando for a julgamento, o mensalão mineiro não durará tantos meses quanto a
Ação Penal 470 nem terá a mesma atenção da imprensa, ajudando a preservar a
imagem do PSDB. Muito provavelmente também tentarão evitar o período eleitoral
de 2014, precaução que não existiu no nosso caso.
Ampliar:
O Senhor teve, ao longo de sua vida, momentos
difíceis, vide o longo período da ditadura. O Senhor vê alguma semelhança entre
o “julgamento político” vivido naquela época com o Julgamento de agora?
José
Dirceu: Dediquei minha vida ao Brasil, à luta pela democracia e ao PT. Na
ditadura, fui preso, condenado, banido do país e tive minha nacionalidade
cassada, ações típicas de um regime de exceção. Não tive direito à defesa e fui
obrigado a manter a luta na clandestinidade. Mais de 40 anos depois, volto a
ser condenado em pleno regime democrático, porém mais uma vez sem a plenitude
dos meus direitos de defesa.
A
pena de 10 anos e 10 meses que a suprema corte me impôs só agrava a infâmia e a
ignomínia de todo esse processo, que recorreu a recursos jurídicos que violam,
abertamente, nossa Constituição e o Estado Democrático de Direito, como a
teoria do domínio do fato, a condenação sem ato de ofício, o desprezo à
presunção de inocência e o abandono de jurisprudência que beneficia os réus.
Ampliar:
O que o senhor espera do seu futuro político?
José
Dirceu: Provar minha inocência. Lutar para mostrar que não há provas contra mim
e alertar para os excessos cometidos até aqui. O julgamento ainda não acabou.
Quem quiser receber um exemplar deve procurar a
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Fonte: Ampliar