Aquela não foi uma manhã comum no laboratório do
departamento de psicologia da Universidade da Georgia, no sul dos Estados
Unidos, em 1996. Desde cedo, começaram a chegar por lá os “sujeitos de
pesquisa”: 64 homens, com 20 anos na média, que se declaravam heterossexuais,
divididos em dois grupos. O primeiro era o dos “homofóbicos”: pessoas que
tinham respondido com uma grande maioria de “sim” a perguntas como “sente-se
desconfortável trabalhando ao lado de homossexuais?”, “ficaria nervoso num
grupo de homossexuais?”, e “se um membro do gênero masculino se insinuasse para
você, ficaria furioso?”. O segundo grupo era o dos não-homofóbicos, que haviam
cravado uma grande maioria de “não”.
Os cientistas levavam os rapazes para uma sala
com luz baixa, pediam que se sentassem numa cadeira reclinável e entregavam um
pletismógrafo a cada um. Pletismógrafo é uma palavra que vem do grego plethynen
(crescimento) e graphein (registrar, medir): “medidor de crescimento”.
Trata-se de uma argola de borracha recheada de mercúrio líquido. A argola deve
ser colocada ao redor do objeto que se quer medir. Se o objeto crescer, ela
estica, a camada de mercúrio fica mais fina e a engenhoca registra o aumento de
tamanho. O objeto a ser medido era o bilau.
Com o pletismógrafo instalado, todos assistiam a
três filmes pornôs, cada um com quatro minutos de duração. O primeiro filme
mostrava uma cena de sexo entre um homem e uma mulher, o segundo entre duas
mulheres, e o terceiro entre dois homens. O resultado foi claro. Todo mundo
registrou crescimento da circunferência de seus amiguinhos quando via o fuzuê
entre homem e mulher ou entre mulher e mulher. Mas, quando o chamego era entre
homem e homem, os homofóbicos registraram um aumento peniano quatro vezes maior
que os não-homofóbicos. Mais da metade dos homofóbicos fica animadinha quando
vê dois homens transando, contra menos de um quarto dos não-homofóbicos.
Aí os cientistas perguntavam a cada um se eles
tinham tido ereção. Os homofóbicos que o pletismógrafo flagrou olhavam para os
pesquisadores e respondiam, convictos: “não”.
Para resumir: homofóbicos, que são pessoas que
sentem grande desconforto quando pensam em homossexualidade, frequentemente são
homossexuais reprimindo suas próprias tendências biológicas. A pesquisa não foi
contestada em 17 anos e suas conclusões foram reforçadas por outro teste mais
preciso, realizado na Inglaterra no ano passado, com imagens cerebrais de
homofóbicos.
Claro que nem todos os homofóbicos são gays:
pode ser cultural ou simplesmente uma dificuldade de lidar com o diferente. Mas
pessoas que nascem gays em ambientes repressivos muitas vezes aprendem a
suprimir a homossexualidade e sentem raiva dela. Essa autorraiva acaba
projetada para fora, contra aquilo que parece com o que se odeia em si próprio.
É como escreveu o psicanalista ítalo-brasileiro Contardo Calligaris
em sua coluna na Folha de S.Paulo: “quando reações são
excessivas e difíceis de serem justificadas, é porque emanam de um conflito
interno”.
O documentário OutRage,
de 2009, mostrou como esse distúrbio psicológico afeta a política dos Estados
Unidos. O filme conta a história do jornalista investigativo homossexual
Michael Rogers, que resolveu se transformar de caça em caçador e foi investigar
a vida de políticos ultraconservadores que votavam sempre contra direitos
homossexuais. Vários deputados e senadores americanos foram flagrados, alguns
com as calças na mão. Um deles, um senador respeitável com mulher e filhos, foi
pego transando com um desconhecido no banheiro de um aeroporto longe de casa. É
que muitas vezes o desejo reprimido acaba escapando nas ocasiões mais
constrangedoras.
No começo do filme, sente-se raiva desses
políticos hipócritas. Aí começam a aparecer na tela personagens cada vez mais
humanos. Um dos últimos entrevistados foi um senhor inteligente chamado Jim Kolbe,
deputado republicano do Arizona, que passara sua longa e produtiva carreira de
político firmemente trancado no armário, sempre votando contra qualquer lei que
desse direitos a homossexuais. Na década de 1990, Kolbe soube que suas
escapadas homossexuais estavam prestes a serem reveladas na imprensa. Antes da
publicação, ele foi a público e contou a verdade aos eleitores. “Foi
provavelmente a sensação mais gloriosa que já senti na vida”, disse, feliz.
Ao contrário do que temia, a confissão não
destruiu sua carreira: Kolbe reelegeu-se várias vezes até se aposentar da
política em 2003, aos 61 anos, por vontade própria. Após deixar o armário, ele
mudou seu jeito de votar, que passou a ser sempre a favor de que homossexuais
tivessem direitos.
Talvez esses políticos de penteados
milimetricamente arrumados que fazem discursos de ódio no Congresso Nacional do
Brasil contra direitos gays mereçam mais compaixão que ódio. Talvez eles sejam
vítimas infelizes de repressão psicológica, que perpetuam políticas de desigualdade
para transferir a outros o desconforto que sentem com si próprios.
O fato é que, no Brasil, homossexuais têm menos
direitos que heterossexuais – segundo uma reportagem de capa da SUPER de 2004, eram 37
direitos a menos, que afetam vários aspectos da vida, da herança aos
financiamentos bancários ao imposto de renda. Que uns cidadãos tenham menos
direitos que outros é uma injustiça, independente da tendência política ou
religião. É premissa da democracia que todos tenham os mesmos direitos. Quem
nega isso com muita convicção talvez precise entender por quê.
Ilustração: Alexandre Piovani – todos os
direitos reservados.
Este texto foi originalmente publicado na edição
de maio da Super, cuja capa é Câncer. A edição, que está com muita coisa
legal, está nas bancas.
Fonte
– Super Interessante