Jornalista Paulo
Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, formula série de perguntas e respostas
sobre o polêmico membro do STF, que com uma liminar criou uma crise entre
Judiciário e Legislativo; ex-diretor da Editora Globo lembra que,
quando Gilmar foi indicado por FHC ao tribunal, o jurista Dalmo Dallari afirmou
que ele era especialista em "inventar" soluções jurídicas de
interesse do governo, que compareceu ao lançamento do livro de Merval Pereira
sobre o Mensalão, em pleno julgamento, além de outras polêmicas; confira
E eis que o ministro Gilmar Mendes está metido em mais uma controvérsia. Para ajudar os leitores do Diário a se situarem, montamos um grupo de perguntas e respostas sobre Gilmar.
Quem indicou Gilmar Mendes para o STF?
Fernando Henrique Cardoso.
Como a indicação de Gilmar Mendes para o STF foi
recebida por juristas ilibados?
No dia 8 de maio de 2002, a Folha de S. Paulo
publicou um artigo do professor Dalmo Dallari, a propósito da indicação de
Gilmar Mendes para o Supremo Tribunal Federal, sob o título de Degradação do
Judiciário.
Qual era o ponto de Dallari?
"Se essa indicação vier a ser aprovada pelo
Senado", afirmou Dallari, "não há exagero em afirmar que estarão
correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e
a própria normalidade constitucional."
Por quê?
Gilmar, segundo Dallari, especializou-se em
"inventar" soluções jurídicas no interesse do governo. "Ele foi
assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo
respeito ao direito", escreveu Dallari. "No governo Fernando
Henrique, o mesmo Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União,
aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular
a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes
negada pelo STF, "inventaram" uma tese jurídica, que serviu de base
para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se
baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União,
derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração
que não cumprissem decisões judiciais.".
Como Gilmar, no cargo de advogado- geral da
União, definiu o judiciário brasileiro depois de suas derrotas judiciais?
Ele fez uma afirmação textual segundo a qual o
sistema judiciário brasileiro é um "manicômio judiciário".
Como os juízes responderam a isso?
Em artigo publicado no "Informe",
veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, um juiz
observou que "não são decisões injustas que causam a irritação, a
iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões
contrárias às medidas do Poder Executivo".
Havia alguma questão ética contra Gilmar quando
FHC o indicou?
Sim. Em abril de 2002, a revista
"Época" informou que a chefia da Advocacia Geral da União, isto é,
Gilmar, pagara R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público – do qual
o mesmo Gilmar é um dos proprietários – para que seus subordinados lá fizessem
cursos.
O que Dallari disse desse caso?
"Isso é contrário à ética e à probidade
administrativa, estando muito longe de se enquadrar na "reputação
ilibada", exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre
o Supremo", afirmou Dallari.
Em outros países a indicação de juízes para o
STF é mais rigorosa?
Sim. Nos Estados Unidos, por exemplo, um grande
jurista conservador, Robert Bork, indicado por Reagan, em 1987, foi rejeitado
(58 votos a 42), depois de ampla discussão pública.
Como o Senado americano tratou Bork?
Defensor declarado dos trustes, Bork foi
arrasado pelo senador Edward Kennedy A América de Bork – disse Kennedy – será
aquela em que a polícia arrombará as portas dos cidadãos à meia-noite, os
escritores e artistas serão censurados, os negros atendidos em balcões
separados e a teoria da evolução proscrita das escolas.
O caso foi tão emblemático que to bork passou a
ser verbo. Mais tarde, em outubro de 1991, o juiz Clarence Thomas por pouco não
foi rejeitado, por sua conduta pessoal. Aos 43 anos, ele foi acusado de assédio
sexual – mas os senadores, embora com pequena margem a favor (52 votos a 48), o
aprovaram, sob o argumento de que seu comportamento não o impedia de julgar com
equidade.
Na forte campanha contra sua indicação as
associações femininas se destacaram. E o verbo "borquear" foi usado
por Florynce Kennedy, com a sua palavra de ordem "we're going to bork
him".
Já no Supremo, Gilmar continuou a agir contra os
interesses dos índios, como fizera antes?
Sim. Em 2009, o governo cedeu aos
guaranis-caiovás a terra que eles ocupavam então. Em 2010, o STF, então presidido
por Gilmar Mendes, suspendeu o ato do governo, em favor de quatro fazendas que
reivindicam a terra.
A mídia tem cumprido seu papel de investigar
Gilmar?
Não, com exceção da Carta Capital. Na edição de
8 de outubro de 2008, a revista revelou a ligação societária entre o então
presidente do Supremo Tribunal Federal e o Instituto Brasiliense de Direito
Público (IDP).
O que é o IDP?
É uma escola de cursinhos de direito cujo prédio
foi construído com dinheiro do Banco do Brasil sobre um terreno, localizado em
área nobre de Brasília, praticamente doado (80% de desconto) a Mendes pelo
ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz.
O que a Carta Capital revelou sobre o IDP?
O autor da reportagem, Leandro Fortes, revelou
que o IDP, à época da matéria, fechara 2,4 milhões em contratos sem licitação
com órgãos federais, tribunais e entidades da magistratura, " volume de
dinheiro que havia sido sensivelmente turbinado depois da ida de Mendes para o
STF, por indicação do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso".
Quem dava aulas no IDP, segundo a Carta Capital?
O corpo docente do IDP era formado, basicamente,
por ministros de Estado e de tribunais superiores, desembargadores e advogados
com interesses diretos em processos no Supremo. "Isso, por si só, já era
passível de uma investigação jornalística decente", escreveu em seu blog o
autor da reportagem. "O que, aliás, foi feito pela Carta Capital quando
toda a imprensa restante, ou se calava, ou fazia as vontades do ministro em
questão."
O jornalista deu algum exemplo?
Sim. Na época da Operação Satiagraha, dois
habeas corpus foram concedidos por Mendes ao banqueiro Daniel Dantas, em menos
de 48 horas. Em seguida, conforme Leandro Fortes, "a mídia encampou a
farsa do grampo sem áudio, publicado pela revista Veja, que serviu para afastar
da Agência Brasileira de Inteligência o delegado Paulo Lacerda, com o auxílio
do ministro da Defesa, Nelson Jobim, autor de uma falsa denúncia sobre
existência de equipamentos secretos de escuta telefônica que teriam sido
adquiridos pela Abin".
Como Gilmar reagiu às denúncias?
A Carta Capital e o repórter, por revelarem as
atividades comerciais paralelas de Gilmar Mendes, acabaram processados pelo
ministro.
Mendes acusou a reportagem de lhe "denegrir
a imagem" e "macular sua credibilidade". Alegou, ainda, que a
leitura da reportagem atacava não somente a ele, mas serviria, ainda, para
"desestimular alunos e entidades que buscam seu ensino".
Em 26 de novembro de 2010, a juíza Adriana
Sachsida Garcia, do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgou improcedente a
ação de Gilmar Mendes e extinguiu o processo.
O que ela disse?
"As informações divulgadas são verídicas,
de notório interesse público e escritas com estrito animus narrandi. A matéria
publicada apenas suscita o debate sob o enfoque da ética, em relação à situação
narrada pelo jornalista. (...) A população tem o direito de ser informada de
forma completa e correta. (...) A documentação trazida com a defesa revela que
a situação exposta é verídica; o que, aliás, não foi negado pelo autor."
É verdade que Ayres Brito, que prefaciou o livro
de Merval Pereira sobre o Mensalão, proferiu aula magna no IDP?
Sim.
Procede a informação de que, em pleno Mensalão,
Gilmar foi ao lançamento de um livro de Reinaldo Azevedo em que os réus eram
tratados como "petralhas"?
Sim.
E agora, como entender a crise entre o Supremo
Tribunal Federal e o Congresso?
Nas palavras do colunista Janio de Freitas, esta
crise "não está longe de um espetáculo de circo, daqueles movidos pelos
tombos patéticos e tapas barulhentos encenados por Piolim e Carequinha. É nesse
reino que está a "crise", na qual quase nada é verdadeiro, embora
tudo produza um efeito enorme na grande arquibancada chamada país".
É verdade que o Congresso aprovou um projeto que
submete decisões do Supremo ao Legislativo?
Não. A Comissão de Constituição e Justiça da
Câmara, como explicou Janio de Freitas, nem sequer discutiu o teor do projeto
que propõe a apreciação de determinadas decisões do STF pelo Congresso. "A
CCJ apenas examinou, como é de sua função, a chamada admissibilidade do
projeto, ou seja, se é admissível que seja discutido em comissões e
eventualmente levado a plenário", explicou Jânio. "A CCJ considerou
que sim. E nenhum outro passo o projeto deu."
E qual foi a atitude de Gilmar neste caso?
Ele afirmou que os parlamentares "rasgaram
a Constituição". Isso só é equiparável, segundo Jânio, à afirmação de
Gilmar de que "o Brasil estava sob "estado policial", quando, no
governo Lula, o mesmo ministro denunciou a existência de gravação do seu
telefone, jamais exibida ou comprovada pelo próprio ou pela investigação
policial".
Fonte
– Brasil247
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