O cineasta baiano Glauber Rocha
completaria, nesta quinta-feira, 74 anos. Incompreendido em seu tempo, o
intelectual brasileiro é cultuado, hoje, como um dos diretores mais
revolucionários do cinema mundial, tanto estética quanto politicamente. O líder
comunista Ernesto Che Guevara “chegou a comparar a importância de Deus e o
Diabo na Terra do Sol (1964) à de Dom Quixote na literatura”,
lembrou a jornalista Cynara Menezes, em sua
página na internet.
“Em carta ao irmão de Che, Alfredo, o diretor
conta que planejava filmar America Nuestra em memória do guerrilheiro morto,
projeto nunca concretizado mas que serviu de base para o roteiro de Terra em
Transe (1967). No manifesto Eztetyka do Sonho (1971), Glauber expõe
alguns dos seus conceitos de arte revolucionária”, sublinhou a jornalista:
No manifesto, Glauber afirma que “as conclusões
dos relatórios dos sistemas capitalistas encaram o homem pobre como um objeto
que deve ser alimentado. E nos países socialistas observamos a permanente
polêmica entre os profetas da revolução total e os burocratas que tratam o
homem como objeto a ser massificado. A maioria dos profetas da revolução total
é composta por artistas. O pior inimigo da arte revolucionária é sua mediocridade.
Os sistemas culturais atuantes, de direita e de esquerda, estão presos a uma
razão conservadora. O fracasso das esquerdas no Brasil é resultado deste vício
colonizador”.
Segundo Glauber, “as raízes índias e negras do
povo latino-americano devem ser compreendidas como única força desenvolvida
deste continente. Nossas classes médias e burguesias são caricaturas decadentes
das sociedades colonizadoras. A cultura popular não é o que se chama
tecnicamente de folclore, mas a linguagem popular de permanente rebelião
histórica. O encontro dos revolucionários desligados da razão burguesa com as
estruturas mais significativas desta cultura popular será a primeira
configuração de um novo significado revolucionário. O sonho é o único direito
que não se pode proibir”.
Estética da fome
Glauber publicou, em plena ditadura militar, a
tese-manifesto Uma Estética da Fome, que contínua e constantemente
torna-se um texto fundamental para o cinema em geral e, em especial, o cinema
dos países do Terceiro Mundo. Surgida num momento até certo ponto novo da
história brasileira – momento em que um sistema político-econômico-social
começava a ser imposto e a fechar um período pleno de inquietações manifestas
-, provocou polêmicas em diversos níveis. Polêmicas que, de um certo modo,
continuam existindo.
Apresentada e publicada em 1965, esteve na
origem do movimento do Cinema Novo, que já havia alcançado algum prestígio
internacional e despertado o interesse de críticos e cineastas estrangeiros
que, até pouco tempo antes, mantinham-se distantes do cinema nacional. Uma
Estética da Fome não era um estudo analítico ou crítico desse movimento, mas
uma definição de seus principais compromissos, objetivos e propostas. Glauber
Rocha não examinava detalhadamente os filmes que até então compunham o
Cinema Novo, preferindo situá-los no panorama político-econômico-cultural da
época. Este panorama, aliás, é o ponto de partida para as reflexões e propostas
do autor.
O Cinema Novo filmou o mundo subdesenvolvido
como origem de culturas desenvolvidas, capazes de escapar do colonialismo
moderno. Foi uma forma que essas culturas encontraram para expressar, tanto aos
“colonizados” como aos “colonizadores”, a realidade em que foram desenvolvidas.
Estas são algumas das questões presentes em Uma
Estética da Fome. Exemplificando-o com elementos de filmes do Cinema Novo,
Glauber propõe um cinema revolucionário na forma e no conteúdo, entendendo-se
isto como uma arte distante tanto das preocupações mercantilistas quanto das
puramente formais, uma arte comprometida com a verdade. Este cinema estaria à margem da indústria,
pois, como diz o autor, “o compromisso do Cinema Industrial é com a mentira e
com a exploração”.
Fonte
Correio do Brasil
Assista aqui ao discurso do professor Darcy
Ribeiro, no último adeus ao cineasta Glauber Rocha: