Por Luciano Martins Costa
Do Observatório da Imprensa
Do Observatório da Imprensa
O técnico de computadores Carlos Alexandre
Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de
medicamentos.
Ele sofria de depressão e apresentava quadro
crônico de fobia social.
Era filho do jornalista e doutor em Ciências
Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de
S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida
atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual
relata sua participação na resistência contra a ditadura militar.
“Travessias torturadas” é o título do livro, e
bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo literário que
a Folha de S.Paulo costuma publicar.
Vítima da Ditadura
Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a
vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da
ditadura.
Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi
arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista.
Foi submetido a choques elétricos e outros
sofrimentos.
Pais Acusados
Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia
Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente
aos integrantes da ala progressista da igreja católica.
Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de
janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à
casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que
havia sido retirado da residência da família.
Ela havia saído em busca de ajuda para libertar
o marido.
Prisão e Tortura
Os policiais derrubaram a porta e um deles,
irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o
ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado
ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a família mudou
várias vezes de cidade, em busca de um recomeço.
Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e
tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou.
Vítima da Ditadura
Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de
vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar
regularmente.
Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia
atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato da família, sofria
alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam na linha ferroviária
atrás da sede do Dops.
Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado
pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa
Bento 16.
Ele é especialista em Relações Internacionais,
autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência
Política com uma tese sobre igreja e democracia.
Poderia também ser uma fonte para a imprensa
sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua
vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais.
Mas seu testemunho como vítima da violência do
Estado autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando
a falta de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a
recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se
legitimar.
Dores Insuperáveis
A morte de Carlos Alexandre é a coroa de
espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um
bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do
Dops.
A imprensa não costuma dar divulgação a casos de
suicídio, por uma série controversa de motivos.
No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo
suplanta todos esses argumentos.
Nota de Dor
Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi
Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de
uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça.
Por exemplo, identificando os integrantes da
equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo.
Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos
porque os agentes encontraram em sua casa um livro intitulado “Educação moral e
cívica e escalada fascista no Brasil”, coordenado pela educadora Maria Nilde
Mascellani.
Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial
de Igrejas.
Contando histórias como essa, a imprensa poderia
oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para
pedir a volta da ditadura.
Fonte – Caros Amigos
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