Por Luciano Martins Costa em 28/05/2012
A imprensa tradicional, ou
os meios de comunicação vinculados às marcas tradicionais da imprensa, já não
são capazes de mobilizar opiniões e vontades no Brasil. A afirmação, feita sem
uma pesquisa que a respalde, pode parecer leviana à primeira vista, mas a cada
semana se torna mais evidente que a opinião do público e a ação política dos
cidadãos passam muito longe de instituições como a mídia ou os partidos.
A mera observação do noticiário
permite constatar como certos temas ganham grande destaque no papel sem, no
entanto, provocar o número proporcional de comentários de leitores em sua
versão digital. No fim, tudo se transforma em um círculo de manifestações entre
a imprensa e suas fontes, sob o olhar aparentemente desinteressado da
sociedade.
A nova estocada da revista Veja,
segundo a qual o ex-presidente Lula da Silva teria pressionado o ministro do
Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes a adiar o julgamento do chamado caso
“mensalão”, em troca de uma blindagem do ministro na CPI que investiga as
atividades do bicheiro Carlos Cachoeira, é o caso que merece essa observação.
Aposta do Globo
Segundo a revista da
Editora Abril, o ex-presidente teria feito “insinuações” sobre as relações entre
Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres, apontado como articulador dos
interesses do bicheiro no Congresso e em alguns estados. A história comprada
pela imprensa é de que Lula teria pressionado o ministro do STF para adiar o
julgamento do caso “mensalão”.
O ex-ministro Nelson Jobim,
que participou do encontro, ocorrido no mês de abril em seu escritório de
Brasília, afirma que a conversa não teve esse teor, mas a imprensa escolheu a
versão de Gilmar Mendes e da revista Veja.
Pois bem. Nas versões eletrônicas
do noticiário a respeito do assunto, disponíveis desde sábado (26/5) na
internet, não acontece a repercussão que um episódio dessa gravidade deveria
merecer. No domingo (27) , o assunto subiu entre os mais comentados no Twitter
e ganhou alguma repercussão no Facebook, mas os leitores se dividem entre os
que tomam partido sem qualquer questionamento, enquanto outros evidenciam o
fato de que não pode haver duas verdades: ou o ministro Gilmar Mendes mentiu ao
insinuar que foi chantageado pelo ex-presidente da República, ou mente o
ex-ministro Nelson Jobim, que diz não ter havido a conversa nos termos citados
por Mendes.
A imprensa, em peso, tende
a acreditar na versão de Gilmar Mendes, e entre os jornais aquele que aposta
mais fichas na veracidade da denúncia veiculada por Veja é o jornal O
Globo. Mas esse aval serve apenas para estimular mais especulações e dar
voz a deputados e senadores que tentam descaracterizar a Comissão Parlamentar
de Inquérito que investiga a quadrilha montada pelo bicheiro Cachoeira no
Congresso Nacional em sociedade com o senador Demóstenes Torres.
A imprensa toma partido
A história serve a Gilmar
Mendes como antídoto para especulações sobre seu relacionamento com o senador
Demóstenes Torres. Para outros envolvidos em maior ou menor grau com o
bicheiro, serve para lançar dúvidas sobre o processo em curso.
O leitor de jornais pode
perceber claramente que duas versões se chocam no noticiário. A versão da
revista Veja, comprada pelos grandes jornais de circulação nacional, diz
que o ex-presidente da República tenta usar o caso Cachoeira para evitar
condenações no caso “mensalão”. Outra versão, apresentada por representantes do
partido governista e veiculada em blogs e outros meios alternativos, levanta a
hipótese de que o chamado “mensalão” tenha sido criado e amplificado a partir
de um acordo entre o bicheiro Carlos Cachoeira e a revista Veja.
Cada jornal pode tirar suas
conclusões, mesmo porque nem tudo que chega às redações vira notícia – parte
dos fatos é usada para fundamentar internamente as escolhas editoriais. O que
foge à lisura do processo jornalístico é a omissão da imprensa em geral quanto
ao fato de que a revista Veja não tem isenção para se manifestar sobre o
caso Demóstenes-Cachoeira, uma vez que a publicação da Editora Abril aparece
entre os principais interlocutores do bicheiro nas gravações em poder da
Polícia Federal.
Apenas a revista CartaCapital
se refere a esse fato e lembra as relações entre Veja, Demóstenes e
Cachoeira, além de observar que a proximidade entre o ministro Gilmar Mendes e
o senador acusado “é pública e notória”.
Interessante observar como
a chamada grande imprensa passa ao largo de algumas evidências e despreza
outras, conforme o viés que elas dão ao noticiário. Também é interessante
constatar que, onde podem opinar – ou seja, nos meios eletrônicos –, os
leitores parecem não dar a menor importância ao que diz a imprensa.
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