Por Lula Miranda é poeta, cronista e publica artigos em veículos da
chamada imprensa alternativa, como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da
Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda
Em qual escaninho da
justiça ficou o suposto “mensalão mineiro”, a aparente origem de todo esse
esquema escuso de financiamento de campanhas?
Recebi, via e-mail [como muitos, imagino], uma
fotografia do ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470 em
julgamento no Supremo, de costas no plenário, associando-o ao Batman. Essa
mensagem, imantada com o brilho reluzente e enganador do verniz das aparências,
parece simbolizar e sintetizar uma espécie de redenção do povo brasileiro, que
estaria, finalmente, vingado de toda a corrupção e de todas as mazelas da
política brasileira por esse novo paladino, “o vingador” – aquele que (re)surge
das trevas para nos redimir. Mas, se formos um pouco além das aparências
na análise dessa caricata imagem, ela poderá de fato nos ensinar
algo: que a fantasia pode mascarar a realidade. E algo mais: que a luz
ainda não iluminou, de fato, as trevas. Pobre da sociedade que educa o seu
povo através de grotescas caricaturas.
Antes do começo do julgamento no Supremo,
confiava plenamente na justiça e lisura dos ministros - e do julgamento em si.
Afinal, estavam ali reunidos supostamente os melhores magistrados e
juristas do país, “homens e mulheres de alta autoridade moral e reconhecido
saber”, que iriam se debruçar, com a devida atenção e denodo, sobre os
autos do processo; analisar com prudência magna, e de modo imparcial, as
acusações do procurador e as alegações dos advogados de defesa; debater
com seus pares da Corte e assim certamente chegar a um consenso e, por
fim, a um veredito. Far-se-ia justiça então.
Mas com os holofotes e a pressão desmedida da
grande mídia, e do paradoxalmente silencioso estrépito da chamada “opinião
pública” (forjada por essa mesma mídia), percebe-se nitidamente que
alguns ministros abandonaram os autos e a verdade factual, deixaram
a toga de lado e vestiram, não sem um certo garbo, diga-se, a fantasia de
paladinos da justiça, de “super-heróis”. Dessa vez, sem acusar desconforto
algum com a fria lâmina da navalha dos jornalistas e dos grandes veículos a
lhes ameaçar o pescoço, como na ocasião da aceitação da denúncia [lembre-se
da frase proferida numa conversa informal pelo ministro Lewandowsky : “A
imprensa acuou o Supremo... Todo mundo votou com a faca no pescoço ”].
Algo se perdeu no caminho da busca pela Justiça. O que parece estar
ocorrendo é uma espécie de “justiçamento”. Tudo para agradar as galerias – sim,
como nos tempos da Roma antiga. Os justos, os que deviam clamar
pelo império da lei, calam-se. A imprensa manietou o Supremo.
Desgraçadamente vivemos tempos sombrios, de
homens medíocres. Vivemos numa “sociedade do espetáculo” - na qual o que
importa são as aparências, o verniz, o aplauso fácil, ligeiro, o
“ibope” aferido no calor do momento, o jargão grandiloquente. Vivemos num mundo
de verdades tão absolutas quanto aparentes; vivemos numa sociedade caricata -
daí talvez compararem o eminente ministro com o “homem morcego”, o
“cavaleiro das trevas”. Seria risível, não fosse trágico. Não é digno de
cavalheiros fazer graça com a desgraça alheia. Porque o que está em jogo é a
dignidade e a vida de dezenas de cidadãos (algo que não pode ser
negociado assim, como numa feira, “de baciada”, às dezenas) – quer
gostemos ou não, indivíduos inocentes até prova em contrário. E esse não é um
mero axioma ou “detalhe”; é princípio basilar do Estado de Direito.
Esse histórico julgamento no Supremo está
acontecendo de maneira açodada/apressada num aparente cálculo para colidir com
o calendário eleitoral e assim causar algum prejuízo, nas eleições de outubro
para prefeito e vereador, aos candidatos do PT e nos partidos da base aliada.
Por que tanta pressa em julgar nesse momento, passados 7 anos, acelerando os
trâmites e os debates? Por que essa celeridade e atropelo justo agora? Quem
assiste ao julgamento pela TV tem a nítida impressão que ali se encena um
espetáculo teatral, cujo roteiro e final é por todos previamente conhecido.
Alguns ministros sequer prestaram atenção nas alegações das defesas dos réus ou
acompanham atentamente os votos dos seus pares; meros indícios tornam-se provas
cabais; algumas argumentações e alegações do relator desrespeitam princípios
básicos do direito! Ah, a prostituta das provas...
Não se trata de querer defender o
indefensável. Não se apresse você também em me condenar ou as minhas
palavras e ideias. Quem cometeu crime(s) deve pagar – na forma da lei. Por isso
merece um julgamento justo, imparcial, sem “faca no pescoço”, sem
“subjetividades” que incriminam. Não devemos nos inclinar para nenhum lado da
balança que define o equilíbrio e simboliza a Justiça.
Em qual escaninho da justiça ficou o suposto
“mensalão mineiro”, a aparente origem de todo esse esquema escuso de
financiamento de campanhas, mas que envolvia outras agremiações partidárias
[PSDB e PFL (atual DEM) à frente] – estas inatacáveis, pois filhas
legítimas da casa-grande?
Por que o Supremo [e também os jornalistas e os
órgãos de imprensa] em vez de jogar para as galerias e apenas condenar,
em alguns casos de modo precipitado e sem a devida prova, somente uns poucos
graúdos e muitos mequetrefes pelos seus supostos crimes, não condena
também, e principalmente, aí sim, toda essa prática deletéria e criminosa de
“caixa 2” ou as/os “caixinhas” dos partidos políticos [de todos eles – a
exceção, talvez, do PSol e do PSTU] e propõe, em caráter de urgência, a
discussão de uma reforma política ao Congresso e ao país? Seria talvez mais
honesto. Para assim se tentar coibir essa prática, tão usual e conhecida por
todos (hipocrisia à parte), dos arrecadadores ou “operadores” dos partidos
políticos que se instalam nas empresas, autarquias e fundações públicas, tal
qual cupins, para extorquir/achacar empresários e assediar e
intimidar funcionários de carreira, carcomendo assim a estrutura da coisa
pública e a integridade dos homens. Dessa forma, aí sim, o Supremo
estaria, de modo soberano, cumprindo o seu papel de melhorar as instituições e
a sociedade.
Caso contrário, ao final desse triste
“espetáculo”, perceberemos constrangidos, que todos nós, os bem
intencionados, a que tudo aplaudimos, de pé e entusiasticamente, fomos, sem o
saber, cúmplices inocentes da criminosa hipocrisia com a qual nos enganamos
desde sempre. Hipocrisia, lastro bastardo dessa falsa moral com a qual
nos embriagamos e nos fartamos.
Fonte
– Brasil247
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