“O sistema
brasileiro, acolhido em 1988, é muito difícil. Porque um governo que não tenha
maioria parlamentar tende a não se sustentar. Ele cai. E se ele não cair, pouca
coisa será feita”. A frase é da ministra Carmen Lúcia e poderia até justificar
a política de alianças do PT. A menos que a alternativa fosse se submeter à
queda
247 – Os
jornais desta terça-feira festejam a “compra de votos” pelo PT, mas o que
Supremo Tribunal Federal acaba de validar é a tese de que o partido, ao cooptar
aliados, formou uma base de sustentação política – e o objetivo de uma base é
justamente votar a favor dos projetos do governo, como sempre foi. A esse
respeito, vale ler a coluna de Janio de Freitas, que cita a ministra Carmen
Lúcia, que reconheceu que um governo sem base de sustentação política pouco faz
e tende a cair. A cooptação de aliados é, portanto, algo inerente à lógica do
sistema político brasileiro. Leia:
JANIO DE FREITAS
Palavra de magistrada
Cármen Lúcia lembra-nos de que o golpismo é
parte da política brasileira desde a Proclamação da República
Ao final de seu voto seguro e claro, na última
sessão do Supremo na semana passada, a ministra Cármen Lúcia pediu para expor
uma preocupação à margem do processo. Por motivos que não vêm ao caso, o
improviso da ministra não foi incluído no noticiário ou, na exceção em que o
foi, perdera a parte de mais profunda significação e fruto de uma coragem
incomum, nas circunstâncias. Reproduzo o trecho:
"O sistema brasileiro, acolhido em 1988, é
muito difícil. Porque um governo que não tenha maioria parlamentar tende a não
se sustentar. Ele cai. E se ele não cair, pouca coisa será feita. Então, cada
vez é preciso mais rigor na ética e no cumprimento das leis pelos políticos.
Para que a gente cumpra esse tão difícil modelo brasileiro exatamente com o
rigor que a sociedade espera de cada agente, de cada servidor público."
Neste país, afirmar a existência de
"democracia plena" e do "funcionamento perfeito das
instituições" é obrigação e banalidade. Se houver, porém, algo discutível
naquele trecho, não é o reconhecimento de que o sistema brasileiro, produzido
pela festiva Constituinte de 88 e intocado na Constituição, é mais difícil do
que o Brasil pode ter.
E muito menos caberia discutir, com boa-fé, o
honesto e bravo reconhecimento, por magistrada de intocada respeitabilidade e
no próprio Supremo Tribunal Federal, de que "um governo que não tenha
maioria parlamentar tende a não se sustentar."
A admitir-se a possibilidade de "mais rigor
na ética e no cumprimento das leis pelos políticos", as palavras de Cármen
Lúcia são o chamado à exigência de correções que tornem o sistema político
menos difícil, para salvaguardar a iniciante democracia dos riscos em que, sem
isso, acabará por sucumbir.
Mesmo que não tenha sido seu propósito, as
palavras de Cármen Lúcia lembram-nos de que o golpismo é parte da vida política
brasileira desde a Proclamação da República, nada além de um golpe de estado
trazido na ponta da espada militar. Um estigma de nascença.
A preocupação que motivou a ministra é a de que
as repercussões dos fatos e do julgamento atual no Supremo não ajam contra a
crença na política. Sobretudo nos jovens. "É a política ou o caos",
disse, " é a política ou a guerra". O que se passou, e levou ao
julgamento, "não significa que a política seja sempre corrupta", e é
preciso que isso não seja esquecido pelos muitos "já desencantados entre
os 138 milhões de eleitores".
Mas, outra vez sem presumir intenção da
ministra, sua preocupação permite observar que incidiu em lugar e momento
particularmente oportunos. O atual julgamento no Supremo começou como um caso
de "compra de apoio a votações de interesse do governo". Apoio e
votações estavam substituídos, às vezes, respectivamente por "votos"
e "projetos". O mesmo vale para os meios de comunicação. Com o passar
dos dias, os ministros do Supremo foram preferindo deixar de fora a finalidade
do valerioduto movido pelo PT.
Não ficou demonstrada a acusação de compra
sistemática de votos, levada para o Supremo pela Procuradoria-Geral da
República. A intervenção extra-voto da ministra Cármen Lúcia sugere aos
ministros a possibilidade de que o financiamento (ilegal) de campanhas alheias,
pelo PT, tenha mesmo figurado como aquisição de maioria parlamentar. Pelo
temor, ou pela percepção, de que o governo "tendesse à queda". A
corrupção política foi instrumento -nesse caso como em outros hábitos vigentes
na vida parlamentar.
Fonte
– Brasil247
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