Por Fernando Morais é jornalista e escritor. É autor, entre outros
livros, de "Chatô, o rei do Brasil", biografia de Assis Chateaubriand
Suspeito que Chatô
exumou-se do Cemitério do Araçá e encarnou nos blogueiros limpos e nos editores
dos principais jornais e revistas brasileiros
As agressões e infâmias dirigidas por alguns
jornais, revistas, blogs e telejornais ao ex-presidente Lula e ao ex-ministro
José Dirceu me fazem lembrar um episódio ocorrido em Belo Horizonte em meados
do século passado.
Todas as sextas-feiras o grande cronista Rubem Braga assinava uma coluna no
jornal “Estado de Minas”, o principal órgão dos Diários Associados em Minas
Gerais. Irreverente e anticlerical, certa vez Braga escreveu uma crônica
considerada desrespeitosa à figura de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira de
Belo Horizonte. Herege, em si, aos olhos da conservadora sociedade mineira o
artigo adquiriu tons ainda mais explosivos pela casualidade de ter sido
publicado numa Sexta-Feira da Paixão.
Indignado, o arcebispo metropolitano Dom Antonio dos Santos Cabral redigiu uma
dura homilia recomendando aos mineiros que deixassem de assinar, comprar e
sobretudo de ler o “Estado de Minas”. Dois dias depois o documento foi lido na
missa de domingo de todas as quinhentas e tantas paróquias de Minas Gerais.
O míssil disparado pelo religioso jogou no chão a vendagem daquele que era, até
então, o mais prestigioso jornal do Estado. E logo repercutiu no Rio de
Janeiro. Mais precisamente na mesa do pequenino paraibano Assis Chateaubriand,
dono dos Diários Associados, um império com rádios e jornais espalhados por
todos os cantos do Brasil.
Célebre pela fama de jamais engolir desaforos, o colérico Chateaubriand
telefonou para Geraldo Teixeira da Costa, diretor do “Estado de Minas”, com uma
ordem expressa, repleta de exclamações:
- Seu Gegê! Quero uma reportagem de página inteira contando que quando jovem
Dom Cabral estuprou a própria irmã! O senhor tem uma semana para publicar isso!
Tamanha barbaridade não passaria pela cabeça de quem quer que conhecesse o
austero Dom Cabral, cujas virtudes haviam levado o Papa Pio XI a agraciá-lo com
o título de Conde. Mas ordens eram ordens.
Os dias se passavam e a reportagem não aparecia no jornal. Duas semanas depois
do ultimato, um Chateaubriand possuído pelo demônio ligou de novo para Belo
Horizonte:
- Seu Gegê! Seu Gegê! O senhor esqueceu quem é que manda nesta merda de jornal?
O senhor esqueceu quem é que paga seu salario, seu Gegê? Cadê a reportagem
sobre o estupro incestuoso cometido por Dom Cabral?
Do outro lado da linha, um pálido e tremebundo
Gegê gaguejou:
- Doutor Assis, temos um problema. Descobrimos
que Dom Cabral é filho único, não tem e nunca teve irmãs...
Sapateando sobre o tapete, Chateaubriand parecia
tomado por um surto nervoso:
- TEMOS um problema? Seu Gegê, nós não
temos problema algum! Isso é um problema de Dom Cabral! Publique a reportagem!
Cabe A ELE provar que não tem irmãs, entendeu, seu Gegê? Vou repetir,
seu Gegê: cabe A ELE provar que não tem irmãs!!
Passadas oito décadas, suspeito que Chatô exumou-se
do Cemitério do Araçá e, de peixeira na cinta, encarnou nos blogueiros limpos e
nos editores dos principais jornais e revistas brasileiros.
Como no caso de Dom Cabral, cabe a Lula provar
que não marchou com a família e com Deus, em 1964, quando tinha 18 anos,
pedindo aos militares que derrubassem o governo do presidente João Goulart.
Cabe a Dirceu provar que não foi o chefe do chamado mensalão.
Fonte
– Brasil247
Nenhum comentário:
Postar um comentário