10 de julho de 2012

Eugênio Sales: conservador, pastor de perseguidos

Autor: 
Por Claudio Ribeiro
 Matéria do JB de 2000 em que Dom Eugênio confirma ação nos bastidores para livrar da prisão presos políticos.  Apesar de conservador, religioso usou de seu prestígio junto aos militares em defesa de perseguidos pela ditadura

Eugênio Salles: morre o símbolo da dignidade conservadora!
Durante seus 69 anos de sacerdócio, destacou-se por seu conservadorismo teológico (muito próximo dos papas Woityla e Ratzinger) e por uma ação, oculta, longe dos holofotes, de intensa defesa dos direitos humanos, incluindo aí a literal salvação de cerca 4 mil refugiados políticos de todo o continente sul-americano.
Morreu ontem, 9/07/2012, aqui no Rio de Janeiro – no Palacete São Joaquim, no Alto da Floresta do Sumaré, o cardeal emérito do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles. Durante seus 69 anos de sacerdócio, incluindo aí 43 anos como cardeal, destacou-se por seu conservadorismo teológico ( muito próximo dos papas Woityla e Ratzinger ) e por uma ação, oculta, longe dos holofotes, de intensa defesa dos direitos humanos, incluindo aí a literal salvação de cerca 4 mil refugiados políticos de todo o continente sul-americano.

Um pastor nordestino
Eugenio Salles nasceu na fazenda Catuana, na pequena Acari, no Rio Grande do Norte, em 1920. Sua ligação com a terra, com os homens da terra, sempre foi intensa. O sofrimento e as injustiças da Questão Agrária no Brasil estavam vivas, de primeira mão, na sua consciência. Mesmo antes de tornar-se sacerdote pensou em ajudar os pobres do campo, optando por ser agrônomo. Contudo, sua vocação religiosa – uma marca de família – o manteve no sacerdócio. Ainda assim, como padre, buscou minorar as condições de vida dos trabalhadores rurais do Rio Grande Norte através da criação dos primeiros sindicatos rurais – o que lhe valeu, na época, o epíteto de “padre vermelho” por parte da oligarquia desalmada e da mídia reacionária. Não se tratava, ao contrário da Teologia da Libertação, que viria depois, de uma opção política ou ideológica “preferencial pelos pobres”. Para o padre Eugênio simplesmente a pobreza e exploração feriam, espiritualmente e fisicamente, o corpo criado por deus, que deveria ser santificado.



Um conservador eclesiástico
Como bispo e cardeal Eugênio Salles não titubeou em usar seus poderes e a hierarquia eclesiástica para impedir a expansão da Teologia da Libertação e dos exegetas progressistas.
Manteve-se, desde 1964, perto dos militares e das autoridades civis do regime, a quem nunca desafiou ou criticou abertamente. Contudo, em 1972, quando o arqui-reacionário católico Gustavo Corção – que das páginas de O GLOBO atacava intelectuais de esquerda e religiosos progressistas – Dom Eugênio achou por bem condenar a virulência do autor e, em carta pastoral, conclamar os católicos a não darem ouvidos as catilinárias de Corção.
Para o bispo-cardeal, contudo, a militância da esquerda católica era, ela também, um desafio ao que considerava a verdadeira mensagem dos Evangelhos. Assim, Frei Beto, e os irmãos Boff foram alvo, sistematicamente, de duras críticas e, mesmo, de interditos. O próprio professorado na PUC foi impedido aos progressistas. Da mesma forma, assumiu uma postura dura e, no limite, uma justiça “bíblica” sobre questões sociais da magnitude da epidemia de Aids, a questão da união civil do clero e do aborto.
Chegou, mesmo, a assumir uma polêmica desnecessária, pouco inteligente, com a Escola de Samba Beija-Flor, ao entrar na Justiça e impedir o desfile da escola com a imagem do Cristo Redentor vestido de mendigo.
Porém, não era só a esquerda que se tornava alvo do cardeal do Rio. As novas modalidades de evangelização, a busca dos católicos em imitação aos cultos “televisivos” dos pentecostais, foi duramente condenada por Dom Eugênio. Assim, o Rio tornou-se terra “não grata” aos “shows” de Padre Marcelo, e de seus êmulos, e em especial a “socialização” destes em programas de televisão onde eram tratados, e misturavam-se, a celebridades e escândalos televisivos.

O Pastor dos perseguidos

No entanto, mostrando e comprovando como pessoas são complexas, múltiplas, Dom Eugênio, a partir de 1976, desenvolveu, manteve e sustentou, uma rede subterrânea de abrigo e proteção para alguns milhares de perseguidos políticos da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile, além de dezenas de brasileiros.
Eram militantes políticos de oposição – muitos ateus convictos! – que conseguiam, por sorte, escapar aos horrores da “guerra sucia” na Argentina ou aos “campos de concentração” chilenos e chegavam, exaustos, por terra, muitos caminhando, ao Brasil. Outros eram refugiados paraguaios e uruguaios e, em fim, foragidos brasileiros. Ao todo foram cerca de 4 mil refugiados que encontraram abrigo no palácio São Joaquim, no alto do Sumaré. Em alguns momentos tratava-se de cerca de 15 pessoas por semana. Dom Eugênio criou uma vasta, financiou e protegeu uma rede de pequenos apartamentos, todos em nome da Cúria (chegaram a 80 residências ) e abrigou tais pessoas. Em outros casos, conseguia passaportes – de países europeus – e os escoltava em seu carro até o aeroporto.
No Rio, em nome da Pastoral dos Presídios, visitava presos políticos, reclamava de maus tratos, impunha visitas de familiares e transferências para presídios “normais”.
Dom Eugênio nunca se sentiu herói ou defendeu posturas progressistas da Teologia da Libertação (muito ao contrário), tratava-se, para ele, da dignidade do corpo, imitação e criação de deus. Assim, na sua visão conservadora, tornou-se um dos dignos da história da nossa resistência.

Que o deus dos justos o receba.

Francisco Carlos Teixeira / Carta Maior

Fonte Blog do Nassif

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