Por Jamil Chade direto da Europa
Eu, você, minha avó e mesmo
um recem formado cheio de sonhos ainda. Para a Fifa, não há diferença. Somos
todos corruptos e equivalentes a “Teixeiras” e “Havelanges”.
Hoje, o Tribunal da cidade
suíça de Zug publicou seu processo contra os cartolas brasileiros. R$ 45
milhões em subornos passaram por suas contas em oito anos. Mas o que
mais surpreende no documento não são os valores ou a constatação da obviedade
da corrupção que envolvia Havelange em seu reinado.
Em um dos trechos, o
tribunal relata como os advogados da Fifa tentavam convencer os juizes em uma
audiência de que não viam problemas com a atitude de Teixeira e Havelange
e alegavam que a proposta da Justiça de que os cartolas devolvessem US$ 2,5
milhões para os cofres da organização seria impossível de ser
implementada. Entre os vários motivos para não pedir o dinheiro de volta, os
advogados da Fifa apresentaram um argumento surpreendente: o de que a “maioria
da população” de países da América do Sul e África tem nos subornos e propinas
parte de sua renda “normal”
Cito o trecho completo do
argumento dos advogados da Fifa para não ficar dúvida: “Os representantes
legais da Fifa são da opinião ainda de que implementar a devolução do dinheiro
seria quase impossivel. Eles justificam isso, inter alia, com o argumento de
que uma queixa da Fifa na América do Sul ou África dificilmente seria aplicada,
já que pagamentos de subornos pertencem ao salário recorrente da maioria da
população”.
Ou seja, Teixeira não devolveria
o dinheiro porque, em nossa suposta “cultura”, todos temos parte da renda
completada por subornos.
Não vamos confundir as
coisas. A corrupção existe e é endêmica em nossa região e no Brasil, assim como
na África. Mas também existe na civilizada Suíça, na gigante Siemens da
Alemanha ou nos EUA.
O que une a muitos hoje em
nossa região não é o fato de que recebemos um pedaço de nosso salário em forma
de subornos, como insinua a Fifa. O que nos une é hoje a indignação diante
dessa realidade e o fato de estarmos exaustos de ver dinheiro público
enriquecendo certas pessoas.
Querer agora
justificar a dificuldade em receber o dinheiro de volta alegando que
somos todos assim não é apenas surpreendente como argumento legal, mas uma
ousadia que o tribunal simplesmente não aceitou e chegou a ironizar.
A entidade sempre soube da corrupção e mesmo Joseph Blatter era o braço
direito de Havelange. E a única atitude que tomou foi a de abafar os casos cada
vez que surgiam.
Quando Jerome Valcke sugeriu
que o Brasil recebesse um “chute no traseiro” pelos atrasos na Copa, ele tinha
razão no conteúdo, mas não nas palavras usadas. Um vice-presidente do COI
chegou a me dizer que a Fifa havia sido “racista” ao fazer o comentário do
“chute no traseiro”, adotando um ar de superioridade. Na época, achei que ele
exagerava e que não havia lugar para racismo escancarado assim. Mas lendo
agora o comentário dos advogados diante de um tribunal, começo a pensar
que ele poderia ter razão.
Fonte Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário