Por
Dalmo Dallari
Com a previsão de que o Supremo Tribunal Federal
julgará, nos próximos dias, o processo identificado como do “mensalão”,
intensificaram-se as especulações com a publicação de opiniões de pessoas que a
imprensa considera diretamente envolvidas ou interessadas, e também com
manifestações da própria imprensa, nem sempre objetivas e imparciais.
Um dado fundamental, que não tem sido observado,
é que o julgamento ocorrerá no Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do
sistema judiciário brasileiro, que deverá julgar segundo o direito,
fundamentado na Constituição e nas leis aplicáveis ao caso, tendo por base os
elementos de prova constantes dos autos.
Aqui está um ponto que deve merecer especial atenção:
as provas dos autos. O que se sabe é que existe uma quantidade enorme de
documentos compondo os autos do processo, com a indicação de fatos e o registro
de dados que deverão ser levados em conta pelos julgadores, que, além do enorme
desafio que é o exame cuidadoso de todo o fartíssimo material carreado para os
autos, enfrentam ainda o desafio de avaliar a credibilidade das informações
contidas nessa volumosa documentação.
Para facilitar a tarefa dos julgadores serão
apresentados dois relatórios, um do relator e outro do revisor, que fizeram a
leitura e o exame de todo o material ali reunido e que deverão procurar
apresentar um resumo dos argumentos da acusação e da defesa, analisando as
colocações teóricas e as alegações de caráter jurídico – tudo isso confrontado
com os elementos de provas apresentados pela acusação e pela defesa.
Jurídico, político
Considerados todos esses aspectos, fica evidente
que a manifestação antecipada de uma opinião sobre qual deverá ser o resultado
do julgamento, sem ter conhecimento dos elementos de prova constantes dos
autos, não tem qualquer consistência. Apesar disso, vários órgãos da imprensa
já se manifestaram externando suas expectativas ou transmitindo a avaliação
prévia do julgamento feita por políticos favoráveis ou contrários aos réus do
“mensalão”.
Lamentavelmente, tanto de um lado quanto de
outro se tem feito uma avaliação leviana e desrespeitosa do desempenho dos
ministros do Supremo Tribunal Federal. Assim, uma parte da grande imprensa
refere-se ao julgamento como se fosse mera formalidade para confirmar uma
decisão que consideram a única aceitável: os réus deverão ser condenados, pois
está fartamente comprovada sua culpa.
Quem afirma isso não examinou o processo, não
conhece o conjunto das provas e não teve como avaliar a confiabilidade dos
elementos informativos apensados aos autos e, além disso, nem tem condições
para a consideração de todos esses elementos sob o ângulo jurídico.
E levianamente afirmam que se os acusados forem
absolvidos o julgamento terá sido político, e não jurídico. Com essa mesma
irresponsabilidade têm sido externadas opiniões em sentido contrário, afirmando
que se não houver a interferência de fatores políticos os réus deverão ser
necessariamente absolvidos.
Decisão respeitada
Por uma série de circunstâncias o julgamento do
“mensalão” adquiriu grande importância, despertando o interesse da opinião
pública. Para isso pesou muito a exploração política das acusações, embora
tenha havido sempre bastante dubiedade quanto ao relato dos fatos e comportamentos
que caracterizariam uma ilegalidade e ao papel de cada um dos implicados.
Assim, é frequente encontrar-se na imprensa uma
acusação ou insinuação com o verbo no condicional, dizendo-se que fulano “teria
recebido”, que outro “seria o destinatário dos recursos” ou “estaria a par da
negociata”. Dessa forma o órgão de imprensa que faz a divulgação procura fugir
da responsabilidade, pois se for acionado dirá que não fez uma afirmação, mas
apenas repercutiu um boato.
Em síntese, o que se pode concluir é que o caso
“mensalão” não é exemplar e não terá qualquer influência para reduzir as
práticas de corrupção política, administrativa, empresarial ou eleitoral. Seja
qual for a decisão haverá exploração política do resultado, mas é indispensável
que a decisão do Supremo Tribunal Federal, absolvendo ou condenando qualquer
dos acusados, seja respeitada e que os interesses contrariados não se vinguem
agredindo o Judiciário e estimulando o seu descrédito perante a opinião
pública.
***
[Dalmo
de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo]
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