por
Wálter Maierovitch, em CartaCapital
Têmis,
a deusa mitológica da Justiça, sempre desfrutou de grande prestígio. Dante
lembrou-se dela no Purgatório. Ovídio, na Metamorfose, contou em poema
épico a solução do oráculo para Pirra e Deucalião povoarem o planeta devastado
pelo Dilúvio Universal. Assim, os dois saíram a atirar, sem olhar para trás,
pedras que se transformavam, ao tocar o solo, em mulheres e homens, conforme
lançadas pelo casal.
A
venda nos olhos de Têmis foi colocada por artistas alemães da Idade Média, como
lembra o jurista Damásio de Jesus e para simbolizar a imparcialidade. No
Brasil, seria melhor termos uma Têmis de olhos bem abertos e com representantes
no Supremo Tribunal Federal (STF), com mandato improrrogável de cinco anos.
Como ironizou Mario Quintana, o poeta das coisas simples: “A Justiça é cega e
isso serve para explicar muita coisa”.
A
propósito, o STF, nos últimos 40 anos, condenou à pena de prisão fechada apenas
um deputado, e ele era do baixo clero: Natan Donatan (PMDB-RO). Em 2 de agosto,
começará o julgamento do processo criminal que ficou conhecido por mensalão,
com 38 réus, 234 volumes, 495 anexos e 50.119 páginas. Têmis estará lá,
entronizada que foi na parte externa da sede do Pretório, com venda nos olhos e
de costas para os 11 julgadores.
O
nome “mensalão” completou sete anos de idade e restou cunhado pelo então
deputado e delator Roberto Jefferson. Refere-se, conforme o Ministério Público
Federal em denúncia apresentada e recebida pelo STF, a um esquema de compra,
habitual e em dinheiro, de apoio de parlamentares e a envolver crimes de
formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta,
evasão de divisas e corrupção ativa e passiva.
Jefferson,
um dos réus, admitiu ter recebido 4,5 milhões de reais. Até hoje, ele não
declinou, de modo a conferir impunidade, os nomes dos parlamentares do seu
partido político e para os quais repassou o dinheiro. Talvez pelo silêncio com
relação aos seus, Jefferson, um varão de Plutarco às avessas, mantém-se como
presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A propósito, ele contou ter
embolsado vivos 4 milhões de reais e o restante mandou seu motorista buscar no
restaurante do Banco Rural.
O
ministro Ayres Britto, presidente da Corte excelsa, quebrou lanças para tentar
julgar o caso antes de se aposentar em 18 de novembro próximo. No momento, os
ministros do STF gozam férias e Brito tentou suspendê-las para poder antecipar
o julgamento. Apesar do recesso e movido pela preocupação de uma quase certa
falta de tempo para se colher o voto do ministro Cezar Peluso, que se aposenta
compulsoriamente em 3 de setembro, o presidente Britto tenta mudar o cronograma
já divulgado. Ele trabalha, junto aos seus pares, para marcar três sessões
semanais e apressar a solução final.
De
olho num desgaste de adversários em período eleitoral, muitos aplaudem a pressa
de Britto. Lógico, se esquecem da lentidão do processo chamado “mensalão
tucano”. Na verdade, e a Têmis bem sabe, o julgamento açodado compromete o
processo justo. A pressa jamais pode ser o objetivo principal em um julgamento.
No
caso do “mensalão”, os ministros realizaram, sem ouvir os advogados
constituídos pelos réus, uma divisão de tempo para a sustentação oral em
plenário da Corte e o acusador ganhou prazo maior. Dessa maneira, os ministros
transformaram o poder discricionário em puro arbítrio.
Diante
desse quadro e com dois ministros impedidos por flagrante parcialidade (Gilmar
Mendes e Dias Toffoli), surgirão incidentes processuais que poderão furar o
cronograma. E até impossibilitar, pelo decurso do tempo, o voto de Peluso,
ainda que se cogite de antecipar o voto, depois dos lançados pelo relator e o
revisor.
Nada
justifica tal apressamento, e aqui cabe um data venia em homenagem a
Ayres Britto. Em clima impróprio por pressões e cúmulos de interesses variados,
o julgamento poderá transmudar-se de técnico para político. O STF, diversas
vezes, optou por decisões políticas. Por exemplo, ao decidir pela legitimidade
da denominada lei da anistia, aprovada por Parlamento biônico e cunhada pelos
militares para garantir a impunidade em face de consumados crimes de
lesa-humanidade, os ministros, por maioria e conduzidos pelo voto de Eros
Grau, deram uma decisão política, além de canhestra.
Numa
apertada síntese, deveria ser esquecida a pressa e se focar no fazer Justiça no
melhor dos climas. Peluso, que é homem honrado e que nunca tirou coelho
de cartola, deveria pendurar a toga na volta do recesso pela razão de não
poder, colhido pela aposentadoria, acompanhar o voto dos demais.
Até
o final do julgamento, o julgador pode se retratar diante dos argumentos
apresentados nos votos dos demais. Se Peluso votar e cair fora, será vencido, e
aqui cabe outro data venia, pela soberba. Com dez ministros (contando
Mendes e Toffoli) e empate, vai valer o in dubio pro reo, pois todos são
presumidamente inocentes.
Fonte
– Blog do Nassif
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