Por
Mino Carta
Dizia um velho e caro amigo que a corrupção é
igual à graxa das engrenagens: nas doses medidas põe o engenho a funcionar,
quando é demais o emperra de vez. Falava com algum cinismo e muita ironia. Está
claro que a corrupção é inaceitável in limine, mas, em matéria, no Brasil
passamos da conta.
Permito-me outra comparação. A corrupção à
brasileira é como o solo de Roma: basta cavar um pouco e descobrimos ruínas. No
caso de Roma, antigos, gloriosos testemunhos de uma grande civilização.
Infelizmente, o terreno da política nativa esconde outro gênero de ruínas,
mostra as entranhas de uma forma de patrimonialismo elevado à enésima potência.
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Constatação.
Apresentamos o verdadeiro relator da CPI
do Cachoeira. Foto:
Monique Renne/ D.A Press
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A deliberada confusão entre público e privado
vem de longe na terra da casa-grande e da senzala e é doloroso verificar que,
se o País cresce, o equívoco fatal se acentua. A corrupção cresce com ele. Mais
doloroso ainda é que as provas da contaminação até os escalões inferiores da
administração governamental confirmem o triste destino do PT. No poder,
porta-se como os demais, nos quais a mazela é implacável tradição.
Assisti ao nascimento do Partido dos Trabalhadores ainda à sombra da
ditadura. Vinha de uma ideia de Luiz Inácio da Silva, dito Lula, presidente do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo até ser alvejado por uma
chamada lei de segurança nacional. A segurança da casa-grande, obviamente.
Era o PT uma agremiação de nítida ideologia
esquerdista. O tempo sugeriu retoques à plataforma inicial e a perspectiva do
poder, enfim ao alcance, propôs cautelas e resguardos plausíveis. Mantinha-se,
porém, a lisura dos comportamentos, a limpidez das ações. E isso tudo
configurava um partido autêntico, ao contrário dos nossos habituais clubes
recreativos.
O PT atual perdeu a linha, no sentido mais
amplo. Demoliu seu passado honrado. Abandonou-se ao vírus da corrupção, agora a
corroê-lo como se dá, desde sempre com absoluta naturalidade, com aqueles que
partidos nunca foram. Seu maior líder, ao se tornar simplesmente Lula, fez um
bom governo, e com justiça ganhou a condição de presidente mais popular da
história do Brasil. Dilma segue-lhe os passos, com personalidade e firmeza. CartaCapital
apoia a presidenta, bem como apoiou Lula. Entende, no entanto, que uma
intervenção profunda e enérgica se faça necessária PT adentro.
Tempo perdido deitar esperança em relação a
alguma mudança positiva em relação ao principal aliado da base governista, o
PMDB de Michel Temer e José Sarney. E mesmo ao PDT de Miro Teixeira, o homem da
Globo, a qual sempre há de ter um representante no governo, ou nas cercanias.
Quanto ao PT, seria preciso recuperar a fé e os ideais perdidos.
Cabe dizer aqui que nunca me filiei ao PT como,
de resto, a partido algum. Outro excelente amigo me define como anarcossocialista.
De minha parte, considero-me combatente da igualdade, influenciado pelas lições
de Antonio Gramsci, donde “meu ceticismo na inteligência e meu otimismo na
ação”. Na minha visão, um partido de esquerda adequado ao presente, nosso e do
mundo, seria de infinda serventia para este País, e não ouso afirmar
social-democrático para que não pensem tucano.
O PT não é o que prometia ser. Foi envolvido antes por oportunistas
audaciosos, depois por incompetentes covardes. Neste exato instante a exibição de
velhacaria proporcionada pelo relator da CPI do Cachoeira, o deputado petista
Odair Cunha, é algo magistral no seu gênero. Leiam nesta edição como se deu que
ele entregasse a alma ao demônio da pusilanimidade. Ou ele não acredita mesmo
no que faz, ou deveria fazer?
Há heróis indiscutíveis na trajetória da
esquerda brasileira, poucos, a bem da sacrossanta verdade factual. No mais, há
inúmeros fanfarrões exibicionistas, arrivistas hipócritas e radical-chiques
enfatuados. Nem todos pareceram assim de saída, alguns enganaram crédulos e nem
tanto. Na hora azada, mostraram a que vieram. E se prestaram a figurar no
deprimente espetáculo que o PT proporciona hoje, igualado aos herdeiros
traidores do partido do doutor Ulysses, ou do partido do engenheiro Leonel Brizola,
obrigados, certamente, a não descansar em paz.
Seria preciso pôr ordem nesta orgia, como
recomendaria o Marquês de Sade, sem descurar do fato que algo de sadomasoquista
vibra no espetáculo. Não basta mandar para casa este ou aquele funcionário subalterno.
Outros hão de ser o rigor, a determinação, a severidade. Para deixar,
inclusive, de oferecer de graça munição tão preciosa aos predadores da
casa-grande.
Fonte
– Carta Capital
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