Por Gabriel Bonis
Com o fim do julgamento do “mensalão”, os
advogados dos réus condenados começam a se movimentar
para recorrer da decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF), última instância do Judiciário brasileiro.
Um dos caminhos avaliados seria buscar um reexame das sentenças na Corte
Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA),
órgão ao qual as decisões o Brasil se compromete a submeter por ser um dos
signatários do Pacto de San Jose.
“Se a Corte Interamericana entender que o
julgamento, por alguma razão, não respeitou determinadas garantias e obrigações
assumidas pelo Estado brasileiro, ele poderia ter de ser refeito”, acredita o
professor argentino de Direito Administrativo Pablo Gutiérrez.
O docente da Universidad Nacional del Comahue,
que esteve em São Paulo para realizar uma palestra na sede da Advocacia-Geral
da União, na terça-feira 27, é especialista em direitos humanos e em aplicação
de tratados internacionais.
A possibilidade de recorrer à OEA foi aventada
diretamente pelo deputado Valdemar Costa Neto, condenado a de 7 anos e 10 meses de
prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Ele defende o
direito do duplo grau de jurisdição em seu julgamento. Uma tese também apoiada
pelo ex-ministro da Justiça e advogado de um dos condenados Marcio Thomaz
Bastos. Segundo ele, os advogados de outros réus estudam esse caminho após a
fase de embargos de declaração no STF. “O réu deve também ter o direito de
apelar da decisão ou de tê-la revisada por um segundo tribunal, a dupla
instância. Se no sistema interno de cada país isso não é garantido, seria
possível apresentar o caso à Corte Interamericana por violações destes
direitos”, diz Gutiérrez na entrevista abaixo.
Dois ministros do Supremo se manifestaram sobre
o assunto. O relator do caso e presidente do STF, Joaquim Barbosa, chamou a
possível ação de tentativa de “enganar o público leigo” e cinismo” por
pensar que poderia ser revertida. Já Marco Aurélio Mello definiu o eventual
recurso dos condenados como “direito de espernear”.
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Pablo Gutiérrez
entende que a OEA
exige julgamento em
duas instâncias.
Foto: Gabriel Bonis
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CartaCapital – Alguns réus condenados pelo
Supremo Tribunal Federal no julgamento do “mensalão” estudam a possibilidade de
recorrer da sentença à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Quais são as
possibilidades deles? A OEA costuma analisar esses casos?
Pablo Gutiérrez – Em qualquer julgamento deve haver certas garantias
para que ele seja válido e justo, não importando o objeto discutido. Para o
funcionamento do sistema, o julgamento deve ser feito por um juiz imparcial,
com respeito pleno ao devido processo, ao direito de oferecer provas, em prazo
razoável e com a devida fundamentação. O réu deve também ter o direito de
apelar da decisão ou de tê-la revisada por um segundo tribunal, a dupla
instância. Se no sistema interno de cada país isso não é garantido, seria
possível apresentar o caso à Corte Interamericana por violações destes
direitos.
CC – O julgamento do “mensalão” ocorre em
instância única no STF. Isso poderia abrir espaço para recursos em massa por
parte dos condenados à OEA?
PG – O
sistema interno está obrigado a garantir uma segunda instância. Caso não a
tenha, isso será revisado e controlado na Corte da OEA. O órgão não analisa a
sentença, mas se houve ou não alguma violação daquilo que o Estado assumiu
conforme o Pacto de San Jose, na Costa Rica. Isso inclui assegurar um
julgamento justo e o direito a duas instâncias.
CC – A OEA, caso acionada, analisaria quais
aspectos do julgamento?
PG – No
sistema interamericano se avalia se uma pessoa foi julgada com as garantias
exigidas pela OEA, como se houve o devido processo. Não se controla se a condenação
é justa ou não, mas se o julgamento ocorreu seguindo as obrigações assumidas
internacionalmente. Também não se revisa a sentença, ou se volta a julgá-la
porque este é um tema de direito interno. É um assunto do Brasil.
CC – O que poderia acontecer em uma eventual
condenação do Brasil na OEA por este caso?
PG – Na
Argentina, houve casos de processo já terminados na Justiça que foram
submetidos à Corte de Direitos Humanos, nos quais o órgão internacional
entendeu não ter ocorrido uma investigação suficiente. Quando a sentença da
Corte Interamericana foi anunciada, o Tribunal máximo do país, semelhante ao
Supremo Tribunal Federal brasileiro, reabriu o caso. Deixou de lado a “causa
julgada” porque é mais importante seguir a sentença da OEA. É uma obrigação do
Estado argentino, que assumiu soberanamente cumprir a sentença. É um tema
complexo, mas se um país assina um tratado está obrigado a cumpri-lo em todas
as suas repartições públicas. Então, se a Corte Interamericana entendesse que o
julgamento [do “mensalão”], por alguma razão não respeitou determinadas
garantias e obrigações assumidas pelo Estado brasileiro, ele poderia ter que
ser refeito.
CC – Em uma eventual sentença neste sentido, o
Brasil poderia não cumpri-la sem sanções?
PG – Os
países, quando assinam determinados acordos, se obrigam a cumpri-los de boa fé.
Caso não o façam, as condenações seguem sendo reiteradas e a Corte
Interamericana, junto com a OEA, supervisionem o seu cumprimento. O órgão
também realiza boletins sobre quem cumpre ou não as sentenças. Como estamos em
um sistema globalizado, no qual os países dependem uns dos outros, é importante
saber que alguns organismos internacionais de assistência financeira e
econômica não realizam aportes em locais que não respeitam os direitos humanos.
Na Europa, para que um país entre na União Europeia é preciso que primeiro
adira ao Tratado Europeu de Direitos Humanos, por exemplo. As sanções são
interdependentes, seja no sistema de direitos humanos ou em alguns econômicos.
CC – Os condenados poderiam recorrer a outro
tribunal internacional além da OEA?
PG – Não
creio que haja outro sistema judicial, mas podem existir outras instâncias
político-institucionais. Na América Latina, a Corte Interamericana é a última
instância jurisdicional em matéria de direito fundamental e direitos humanos.
Fonte
– Carta Capital
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