A revista Carta Capital desta
semana expõe que voltou a operar no Brasil o mesmo tipo de organização que
assessorou, financiou e fomentou o golpe militar de 1964. Utilizando os mesmos
procedimentos de entidades que, na fachada, destinavam-se à produção de estudos
e pesquisas sociais, essas organizações uniram-se ao oligopólio que controla os
principais veículos de imprensa para derrubar o presidente democraticamente
eleito João Goulart, e implantar a ditadura militar, um dos períodos mais
obscuros da nossa história.
Segundo a revista, o que se
chamou de Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), na derrubada de Goulart, hoje atende
pelo nome de Instituto Millenium, que funciona em São Paulo.
Outra coincidência entre os
extintos Ipes e Ibad, que recebiam dinheiro do exterior, é a proeminência de um
ou mais jornalistas que têm espaço cativo nos meios controlados pelo
oligopólio. Em 1964, golpistas e mídia tinham Carlos Lacerda, político e
jornalista, também chamado de “O corvo”. Hoje, desprovidos de colaboradores com
o mesmo talento, o Millenium conta com um grupo de escribas de qualidade
limitada não por coincidência os mesmos articulistas e “especialistas” que
povoam suas colunas e reportagens direcionadas contra um inimigo em comum: o PT
– Partido dos Trabalhadores.
O presidente do PT, Rui
Falcão, declarou, mais de uma vez, que um golpe nos mesmos moldes que esse
setor da mídia e seus institutos patrocinaram contra Goulart, hoje, não é mais
admitido, por causa da imediata reação internacional que nova quebra da
constitucionalidade provocaria. Para Falcão, as armas hoje são outras. “A oposição
e esse segmento da mídia pretendem se valer de instrumentos como o processo de
denúncia permanente, a desqualificação de nossas lideranças e da tentativa de
criminalizar o PT como partido político", diz ele.
Além de criminalizar o PT, um
dos maiores partidos políticos do País, o ataque permanente tem um alvo maior:
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essas forças ultraconservadoras não
digerem até hoje que o metalúrgico, ex-pau de arara, que não frequentou a
faculdade nem comparecia às reuniões sociais da elite de Rio de Janeiro e São
Paulo, liderou a revolução silenciosa no Brasil. Internamente, entre outras
conquistas, Lula transferiu a Presidência da República para sua sucessora Dilma
Rousseff, deixando a economia com o mercado de trabalho próximo do pleno
emprego e ganho real dos salários.
Externamente, o Brasil deixou
de falar grosso com seus vizinhos mais pobres e falar fino com os países mais
poderosos, conquistando um padrão de respeito até então inédito na história do
País. Lula deixou o Brasil sem dívidas com o FMI, os cofres nacionais com
reservas recordes e implantou programas sociais que retiraram mais de 40
milhões de pessoas da miséria.
Lula deixou a Presidência da
República com 83% de aprovação popular, depois de oito anos de governo,
dos quais seis foi alvo permanente desses mesmos e inconformados setores da
mídia.
O presidente do PT avalia o
cenário atual, em que denúncias diárias contra o PT e Lula se multiplicam nos
jornais, muitas vezes atropelando princípios básicos do jornalismo ou – o que é
mais comum – empregando dois pesos e duas medidas, como se viu, recentemente,
com o caso da ex-secretária Rosemary Noronha. “Não é que eles (oposição)
queiram dar um golpe, não se trata disso", disse Rui Falcão ao jornal Valor
Econômico desta terça-feira (11/12). "Não há condições no Brasil de
hoje para isso". “O que a oposição tenta é se valer de instrumentos como o
processo de denúncia permanente, a desqualificação de nossas lideranças e da
tentativa de criminalizar o PT como partido político".
“Agora há até uma investida
contra a política, que é uma maneira de nivelar todos os partidos políticos”,
continua Falcão. “Um udenismo pós-moderno. E uma certa torcida contra o
desempenho da economia, como se a crise atingisse o Brasil fosse trazer
dividendos eleitorais para a oposição. Exemplo disso é a investida do senador
Aécio Neves e do PSDB contra a redução da tarifa de energia".
É nesse ponto – o do esforço
da mídia em desmoralizar a classe política como um todo, que se cruzam as
declarações do presidente do PT e a reportagem de Leando Fortes, “Saudades de 1964”
da revista Carta Capital desta semana, que apresenta o Millenium
como novo bunker da direita ultraconservadora no Brasil.
“Montado sob a tutela do
suprassumo do pensamento conservador nacional e financiado por grandes
empresas”, diz a reportagem, “o instituto vende a imagem de um refinado clube
do pensamento liberal, uma cidadela contra a barbárie. Mas a crítica primária e
o discurso em uníssono de seus integrantes têm pouco a oferecer além de uma
narrativa obscura da política, da economia e da cultura nacional. Replica, às
vezes com contornos acadêmicos, as mesmas ideias que emanam do carcomido
auditório do Clube Militar, espaço de recreação dos oficiais de pijama”.
“Em 1º de março de 2010, uma reunião de milionários em luxuoso hotel de São Paulo foi festejada pela mídia nacional como o início de uma nova etapa na luta da civilização ocidental contra o ateísmo comunista e a subversão dos valores cristãos. Autodenominado 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, o evento teve como anfitriões três dos maiores grupos de mídia nacional: Roberto Civita, dono da Editora Abril, Otávio Frias Filho, da Folha de S.Paulo, e Roberto Irineu Marinho, da Globo.
“Em 1º de março de 2010, uma reunião de milionários em luxuoso hotel de São Paulo foi festejada pela mídia nacional como o início de uma nova etapa na luta da civilização ocidental contra o ateísmo comunista e a subversão dos valores cristãos. Autodenominado 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, o evento teve como anfitriões três dos maiores grupos de mídia nacional: Roberto Civita, dono da Editora Abril, Otávio Frias Filho, da Folha de S.Paulo, e Roberto Irineu Marinho, da Globo.
O evento, que cobrou dos
participantes uma taxa de 500 reais, foi uma das primeiras manifestações do
Instituto Millenium, organização muito semelhante ao Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (Ipes), um dos fomentadores do golpe de 1964. Como o Ipes de
quase 50 anos atrás, o Millenium funda seus princípios na liberdade dos
mercados e no medo do "avanço do comunismo", hoje personificado nos
movimentos bolivarianos de Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. Muitos de
seus integrantes atuais engrossaram as marchas da família nos anos 60 e
sustentaram a ditadura. Outros tantos, mais jovens, construíram carreiras,
principalmente na mídia, e ganharam dinheiro com um discurso tosco de
criminalização da esquerda, dos movimentos sociais, de minorias e contra
qualquer política social, do Bolsa Família às cotas nas universidades.
(...)
O símbolo do Millenium é um
círculo de sigmas, a letra grega da bandeira integralista, aquela turma no
Brasil que apoiou os nazistas. Arnaldo Jabor e Marcelo Madureira [ambos
participam das atividades do instituto] estão perfilados em uma extensa lista
de colaboradores no site da entidade, quase todos assíduos freqüentadores das
páginas de opinião dos principais jornais e de programas na tevê e no rádio.
(...)
Meio empresa, meio quartel, o
Millenium funciona sob uma impressionante estrutura hierárquica comandada e
financiada por medalhões da indústria. Baseia-se na disseminação massiva de uma
ideia central, o liberalismo econômico ortodoxo, e os conceitos de
livre-mercado e propriedade privada. Tudo bem se fosse só isso. No fundo, o
discurso liberal esconde um freqüente flerte com o moralismo udenista, o
discurso golpista e a des-qualificação do debate público. Criado em 2005 com o
curioso nome de “Instituto da Realidade”, transformou-se em Millenium em
dezembro de 2009 após ser qualificado como Organização Social de Interesse
Público (Oscip) pelo Ministério da Justiça. Bem a tempo de se integrar de corpo
e alma à campanha de José Serra, do PSDB, nas eleições presidenciais de 2010.
Em pouco tempo, aparelhado por um batalhão de “especialistas”, virou um bunker
antiesquerda e principal irradiador do ódio de classe e do ressentimento
eleitoral dedicado até hoje ao ex-presidente Lula.
O batalhão de “especialistas”
conta com 180 profissionais de diversas áreas, entre eles, o jornalista José
Nêumanne Pinto, o historiador Roberto DaMatta e o economista Rodrigo Constantino,
autor do recém-lançado PrivatizeJá. A obra é um libelo privatizante feito sob
encomenda para se contrapor ao livro A Privataría Tucana, do jornalista Amaury
Ribeiro Jr., sobre as privatizações nos governos de Fernando Henrique Cardoso
que beneficiaram Serra e seus familiares. E não há um único dos senhores
envolvidos com as privatizações dos anos 1990 que hoje não nade em dinheiro.
Os “especialistas” são todos,
curiosamente, brancos. Talvez por conta da adesão furiosa da agremiação aos
manifestantes anticotas raciais. A tropa é comandada pelo jornalista Eurípedes
Alcântara, diretor de redação da revista Veja, publicação onde, semanalmente, o
Millenium vê seus evangelhos e autos de fé renovados. Alcântara é um dos dois
titulares do Conselho Editorial da entidade. O outro é Antonio Carlos Pereira,
editorialista de O Estado de S. Paulo.
(...)
A dupla de jornalistas
representa dois dos quatro conglomerados de mídia que formam a bússola
ideológica da entidade, a Editora Abril e o Grupo Estado. Os demais são as
Organizações Globo e a Rede Brasil Sul (RBS).
O Millenium possui uma direção
administrativa formada por dez integrantes, entre os quais destaca-se a
diretora-executiva Priscila Barbosa Pereira Pinto. Embora seja a principal
executiva de um instituto que tem entre suas maiores bandeiras a defesa da
liberdade de imprensa e de expressão - e à livre circulação de ideias Priscila
Pinto não se mostrou muito disposta a fornecer informações a CartaCapital. A
executiva recusou-se a explicar o formidável organograma que inclui uma enorme
gama de empresas e empresários.
Entre os “mantenedores e
parceiros”, responsáveis pelo suporte financeiro do instituto, estão empresas
como à Gerdau, a Localiza (maior locadora de veículos do País) e a Statoil,
companhia norueguesa de petróleo. No “grupo máster” aparece a Suzano, gigante
nacional de produção de papel e celulose. No chamado “grupo de apoio” estão a
RBS, o Estadão e o Grupo Meio & Mensagem.
Há ainda uma lista de 25
doadores permanentes, entre os quais, se incluem o vice-presidente das
Organizações Globo, João Roberto Marinho, o ex-presidente do Banco Central
Arminio Fraga e o presidente da Coteminas, Josué Gomes da Silva, filho do
falecido empresário José Alencar da Silva, vice-presidente da República nos
dois mandatos de Lula. O organograma do clube da reação possui também uma
“câmara de fundadores e curadores” (22 integrantes, entre eles o ex-presidente
do Banco Central Gustavo Franco e o jornalista Pedro Bial), uma “câmara de
mantenedores” (14 pessoas) e uma “câmara de instituições” com nove membros.
Gente demais para uma simples instituição sem fins lucrativos.
(...)
Em 2010, quando o programa se
iniciou, cinco jornalistas foram escolhidos, um de cada representante da mídia
vinculada ao Millenium: Época (Globo), Veja (Abril), O Estado de S. Paulo,
Folha de S.Paulo e Zero Hora (RBS). Em 2011, à exceção de um repórter do jornal
A Tarde, da Bahia, o critério de escolha se manteve. Os agraciados foram da
Época (2), Estadão (1), Folha (2), Zero Hora (1) e revista Galileu (1), da
Editora Globo. Neste ano foram contemplados três jornalistas do Estadão, dois
da Folha, um da rádio CBN (Globo), um da Veja, um do jornal O Globo e um da
revista Capital Aberto, especializada em mercado de capitais.
Para ser escolhido, segundo as
diretrizes apresentadas pelo Instituto Ling, o interessado não deve ser filiado
a partidos políticos e demonstrar “capacidade de liderança, independência e
espírito crítico”. Os aprovados são apresentados durante um café da manhã na
entidade, na primeira semana de agosto, e são obrigados a fazer uma espécie de
juramento: prometer trabalhar “pelo fortalecimento da imprensa no Brasil,
defendendo os valores de independência, democracia, economia de mercado, Estado
de Direito e liberdade”.
O Millenium investe ainda em
palestras, lançamentos de livros e debates abertos ao público, quase sempre
voltados para assuntos econômicos e para a discussão tão obsessiva quanto
inútil sobre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Todo ano, por
exemplo, o Millenium promove o “Dia da Liberdade de Impostos” e organiza os
debates “Democracia e Liberdade de Expressão”. Entre os astros especialmente
convidados para esses eventos estão Marcelo Tas, da Band, e Diogo Mainardi e
Reinaldo Azevedo, ambos de Veja. Humoristas jornalistas. Ou vice-versa.
(...)
Josué Gomes e Gerdau também
não atenderam aos pedidos de entrevista. O silêncio impede, no caso do
primeiro, que se entenda o motivo de ele contribuir com um instituto cuja
maioria dos integrantes sistematicamente atacou o governo do qual seu pai não
só participou como foi um dos mais firmes defensores. E se ele é contra, por
exemplo, a redução dos juros brasileiros a níveis civilizados. O industrial
José Alencar passou os oito anos no governo a reclamar das taxas cobradas no
Brasil. A turma do Millenium, ao contrário, brada contra o “intervencionismo
estatal” na queda de braço entre o Palácio do Planalto e os bancos pela queda
nos spreads cobrados dos consumidores finais.
No caso de Gerdau, seria interessante saber se o empresário, integrante da câmara de gestão federal, concorda com a tese de que a tentativa de redução no preço de energia é uma “intervenção descabida” do Estado, tese defendida pelo instituto que ele financia. Gerdau e Josué se perfilam, de forma consciente ou não, ao Movimento Endireita Brasil, defensor de teses esdrúxulas como a de que os militares golpistas de 1964 eram todos de esquerda.
O que há de transparência no
Millenium não vem do espírito democrático de seus diretores, mas de uma
obrigação legal comum a todas as ONGs certificadas pelo Ministério da Justiça.
Essas entidades são obrigadas a disponibilizar ao público os dados
administrativos e informações contábeis atualizadas. A direção do instituto se
negou a informar à revista os valores pagos individualmente pelos doadores,
assim como não quis discriminar o tamanho dos aportes financeiros feitos pelas
empresas associadas.
A contabilidade disponível no
Ministério da Justiça, contudo, revela a pujança da receita da entidade, uma
média de 1 milhão de reais nos últimos dois anos. Em três anos de funcionamento
auditados pelo governo (2009, 2010 e 2011), o Millenium deu prejuízos em dois
deles.
Em 2009, quando foi
certificado pelo Ministério da Justiça, o instituto conseguiu arrecadar 595,2
mil reais, 51% dos quais oriundos de doadores pessoas físicas e os demais 49%
de recursos vindos de empresas privadas. Havia então quatro funcionários
remunerados, embora a direção do Millenium não revele quem sejam, nem muito menos
quanto recebem do instituto. Naquele ano, a entidade fechou as contas com
prejuízo de 8,9 mil reais.
Em 2010, graças à adesão
maciça de empresários e doadores antipetistas em geral, a arrecadação do
Millenium praticamente dobrou. A receita no ano eleitoral foi de 1 milhão de
reais, dos quais 65% vieram de doações de empresas privadas. O número de
funcionários remunerados quase dobrou, de quatro para sete, e as contas
fecharam no azul, com superávit de 153,9 mil reais.
Segundo as informações
referentes ao exercício de 2011, a arrecadação do Millenium caiu pouco (951,9
mil reais) e se manteve na mesma relação porcentual de doadores (65% de
empresas privadas, 35% de doações de pessoas físicas). O problema foi fechar as
contas. No ano passado, a entidade amargou um prejuízo de 76,6 mil reais,
mixaria para o volume de recursos reunidos em torno dos patrocinadores e
mantenedores. Apenas com verbas publicitárias repassadas pelo governo federal,
a turma midiática do Millenium faturou no ano passado 112,7 milhões de reais.
Fonte – PT no Senado
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