Por Washington Araujo em
28/06/2012 na edição 700
Nunca houve um
processo como o mensalão. Seria um bom nome de filme, ainda a escolher o
gênero. Se considerado algo sério, seria documentário político, a exemplo do
clássico Z, do grego Costa-Gavras; se considerado comédia, poderia ser
um flagrante dos costumes políticos do Brasil: acusações de uso de caixa 2 em
campanhas políticas, de compra de apoio parlamentar para dar sustentação ao
então ocupante do Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva, vitrina para
exercício de pendores político-partidários da quase totalidade dos veículos que
se abrigam sob o manto da “grande mídia” brasileira. Os personagens são
parlamentares, dirigentes partidários, marqueteiros, burocratas da
administração federal e servidores públicos, dos mais aos menos graduados. As tramas
envolvem tentativas (frustradas) de impeachment do presidente Lula, sessões de
tiroteios verbais em Comissão Parlamentar de Inquérito e extenso caudal de
matérias publicadas na revista Veja e nos jornais Folha de S.Paulo,
O Estado de S.Paulo e O Globo. O cenário que fica em nossa
memória coletiva é o de suas últimas locações: o antes sóbrio recinto do nosso
Supremo Tribunal Federal.
Nunca houve um
processo como o mensalão. Alvo de pressões da grande imprensa, que tem feito
caras e bocas ao longo de não menos de sete anos, primeiro para provar a
existência do processo em si mesmo, depois para influir decisivamente na
condenação máxima de suas dezenas de réus. Alvo de pressões de ministros da
Suprema Corte, usando-se para tanto os mais variados artifícios: da suspeição
de que ministros do STF foram nomeados com o intuito de – na hora oportuna –
exarar seu voto pela inocência dos réus ao vazamento de conversa privada entre
o ministro Gilmar Mendes, ex-advogado-geral da União na gestão Fernando
Henrique Cardoso, com o ex-presidente Lula, tendo como testemunha Nelson Jobim,
ele próprio ex-ministro do STF e ex-ministro da Defesa na gestão Lula/Dilma
Rousseff. Conversa esta que apresenta conformidade apenas quanto à data, local
e personagens presentes, mas cujas versões diferem completamente quanto ao seu
conteúdo: Lula e Nelson Jobim desmentem a versão de Mendes.
Dessa inconfidência
do ministro Mendes, ficamos sabendo ainda que o ex-presidente Lula lutava por
influir na postergação da data do julgamento do processo, e que faria contatos
com os ministros do STF “mais chegados a ele” para propor a prorrogação, além
de haver emitido juízo de valor sobre o relator do processo no Supremo, o
ministro Joaquim Barbosa, que na versão de Mendes seria visto por Lula como “um
complexado”. Nessa reta final, o processo assume ares de comédia.
Cortina de fumaça
Nunca houve um
processo como o mensalão. Alvo de pressões inéditas e bem pouco usuais partindo
do presidente Corte, ministro Ayres Britto, e recaindo sobre o ministro-revisor
do processo, Ricardo Lewandowski. As pressões se materializaram de maneiras
diversas. Da decisão colegiada de como seria realizado o julgamento e montado
seu cronograma, a fazer com que o trabalho do ministro Lewandowski obedecesse a
esse cronograma. Isso, por si só, já é prenúncio robusto de que o julgamento
assume mais cores políticas e partidárias do que judiciárias e... técnicas.
As pressões do
presidente Ayres Britto chegaram ao ponto em que sua advertência, por escrito,
ao revisor Lewandowski foi levada primeiramente ao conhecimento da grande
imprensa e só depois ao do próprio ministro, situação esta devidamente anotada
pelo destinatário em sua resposta ao presidente da Corte. As pressões para que
Lewandowski desse por concluído seu voto de revisor levaram em conta a
possibilidade de o ministro Cezar Peluso vir a se aposentar, ele que é visto
pela cobertura midiática como “voto francamente favorável a penas duras aos
réus do mensalão”, como também “elogiado por sua brilhante trajetória de juiz e
refinados conhecimentos jurídicos”. No caso de o ministro Peluso ser
compulsoriamente aposentado (por razão de atingir a idade limite de 70 anos nos
primeiros dias de setembro), e em havendo empate nos votos dos magistrados, o voto
faltante teria que ser necessariamente em favor da absolvição dos réus.
Nunca houve um
processo como o mensalão. Dificilmente na história de nosso Supremo Tribunal
Federal poderíamos encontrar um processo que guarde alguma similitude com o
clima, a ambiência, as pressões e a natureza do presente processo. É público e
notório que para a grande mídia o julgamento será apenas pro forma, uma
vez que em sua visão todos os réus já chegaram condenados ao STF. A mídia
prefere pugnar para que o julgamento seja eminentemente político e não técnico,
como seria de se esperar. Se, por um lado, os julgadores não deveriam ser alvo
de pressões por parte dos réus e sua legião de defensores, quase sempre
indevidas e espúrias em sua natureza, por outro, não deveriam se sujeitar a
receber pressão dos meios de comunicação. Estes buscam lançar cortina de fumaça
nos assuntos objeto de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga o
esquema de corrupção do contraventor Carlos Cachoeira, com tentáculos no
Congresso Nacional (senador e deputados federais), no Poder Executivo
(governadores de Goiás e do Distrito Federal), em empreiteira de grande porte
(com sede no Rio de Janeiro e obras por todo o país), além de empresas de
comunicação (jornalista da Editora Abril).
É no contexto da
teoria da “cortina de fumaça” que ao palco da CPMI poderá ser convocado a depor
o dono do grupo Abril, o empresário Roberto Civita, e Policarpo Junior,
experiente jornalista da revista semanal de informação de maior tiragem no
Brasil, a Veja. Jornalistas da revista Época, do grupo Globo,
poderiam ser também convocados.
A técnica e a
política
Nunca houve um
processo como o mensalão. Não é usual um único processo arrolar 38 réus,
envolvendo pessoas com e sem foro privilegiado, crimes os mais diversos, alguns
com indícios e evidências de culpabilidade, outros sem um nem outro. Também não
é usual que um processo nascido em ambiente político conturbado tenha seu
julgamento em pleno ano de eleições, em um tempo em que as campanhas eleitorais
são cada vez mais marcadas pela importância avassaladora das imagens e dos
áudios e, dessa forma, oferecendo farto material a ser usado nos horários
destinados à difusão de propaganda eleitoral e sempre tão valoradas pelos
embates partidários em sua eterna luta pelo poder.
Nunca houve um
processo como o mensalão. Porque, seja qual for o veredicto, a Suprema Corte
terá sua credibilidade colocada em xeque. Se absolver os réus, não faltarão
vozes na grande imprensa para dizer que 8 dos 11 magistrados chegaram ao STF
pelas mãos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff e, portanto, se sentiram
impelidos moralmente a absolvê-los. Se condenar, não faltarão vozes – na
blogosfera principalmente – dando conta de que os ministros do Supremo
preferiram ficar bem com a grande mídia, fazendo o aspecto político prevalecer
sobre os critérios técnicos.
Definitivamente, o
Supremo Tribunal Federal poderia ter evitado boa parte do roteiro que ora se
anuncia. E priorizar, acima de tudo, a defesa de suas prerrogativas
constitucionais como instância máxima da administração da justiça no Brasil.
Washington Araújo é
jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org
Fonte Observatório da
Imprensa
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