Por
Sara Paixão
Patrimônio
imaterial da Mangueira como o Verde e rosa e a singular batida do surdo, a voz
de Jamelão não encontrou eco suficiente para que o intérprete fosse escolhido
para ser homenageado pela escola em 2013, ano de seu centenário. Por um
vultuoso patrocínio de R$ 3,6 milhões, a agremiação vai apresentar no ano que
vem o enredo sobre Cuiabá, a capital de Mato Grosso.
—
Em nenhum momento cogitamos fazer o enredo sobre o Jamelão. Se fizéssemos, de
novo iriam nos criticar, dizendo: "a escola não está luxuosa".
Levamos três enredos com a cara e a coragem, e está na hora de mostrar que a
Mangueira pode, sim, apresentar alegorias que os críticos e jurados querem ver
— alega Ivo Meirelles, atual presidente da escola, referindo-se ao fato de a
agremiação já ter homenageado o Cacique de Ramos, Nelson Cavaquinho e a MPB.
E,
dessa forma, a voz oficial da Verde e rosa por 54 anos, o homem eleito por voto
popular no jornal EXTRA como a maior personalidade dos 80 anos de desfiles das
escolas de samba vai ser apenas a estrela do grupo de acesso no ano que vem.
— A
Unidos do Jacarezinho vai homenagear o Jamelão por indicação minha, e a
Mangueira, por meio do dinheiro que receberá de Cuiabá, patrocinará todo o
carnaval da escola — orgulha-se Ivo, sobre o enredo "Puxador, não.
Intérprete", a ser defendido pela "coirmã".
A
família de Jamelão não está satisfeita em ver que a Mangueira pode ignorar
novamente uma boa homenagem. Em 2008, o centenário de Cartola também não virou
enredo. Dona Didi, viúva do cantor, limitou-se a dizer que está muito triste, e
Jamelão Netto que, musicalmente segue os passos do avô, resume o sentimento dos
parentes:
—
Estamos com o coração partido, sangrando. Há dois anos, faço a pesquisa para
que ele fosse o enredo. Se o Ivo quisesse, poderia ter recorrido aos órgãos
públicos como fez com o Cacique de Ramos.
Josemar
Monteiro, produtor da Velha Guarda da Mangueira, que trabalhou com Jamelão em
seus últimos shows, garante ainda que não é verdade que o intérprete não queria
ser homenageado num desfile.
—
Ele não queria sair do carro de som. E ficou mal-humorado quando disseram que,
para virar enredo, teria que desfilar numa alegoria. Ele tinha paixão por
aquele carro, e fez muito samba ruim ficar bonito — lembra Josemar, sobre o
talento que atuais intérpretes dificilmente terão para salvar o carnaval de
2013.
Artistas
se dividem em relação ao enredo patrocinado da Mangueira.
— A
questão é o patrocínio. Não é só a Mangueira que sofre por isso, as outras
escolas também procuram enredos patrocinados — afirma a cantora Beth Carvalho.
—
Não sei o que vamos falar de Cuiabá. Já o Jamelão era um enredo justíssimo —
diz o compositor Nelson Sargento.
—
Precisamos é de menos riqueza e mais sambistas na Avenida. Esses enredos
patrocinados enfraquecem o carnaval — conta a cantora Leci Brandão.
—É
um absurdo. Estão jogando uma pá de cal nos desfiles das escolas de samba.
Virou marketing puro —afirma o compositor Moacyr Luz.
Carnavalescos
defendem os investimentos
Se
Jamelão foi barrado na Avenida, os enredos temáticos, não. Da história do
cavalo ao Rock in Rio, o público vai ver um desfile de patrocínios. A
carnavalesca Márcia Lage, do Salgueiro, defende a opção da escola, sobre a
fama:
—
Prender-se a enredos históricos e tradicionais é deixar de ser original. Não
adianta ver o carnaval como uma velha esclerosada, presa ao passado e negando o
futuro. As escolas de samba devem ser vistas como empresas.
Responsável
pelo carnaval da Beija-Flor, Laíla diz que lá não há a exigência de enredo
patrocinado.
—
Qualquer história dá um grande enredo. Basta saber desenvolver — afirma Laíla.
Sobre
a verba da prefeitura, Alexandre Louzada, da Mocidade, opina:
—
Depende do projeto apresentado.
O centenário de Jamelão não será lembrada pela Mangueira em 2013, só
pela Unidos do Jacarezinho, que desfila no Grupo de Acesso na Avenida. O
intérprete morreu no dia 14 de junho de 2008, com falência múltipla dos
órgãos.
Fonte
G1
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