Alguns setores militares estão convencidos de
que o verdadeiro objetivo da Comissão Nacional da Verdade é provocar a revisão
da Lei da Anistia de 1979, abrindo caminho para o julgamento de agentes de
Estado envolvidos em casos de violações de direitos humanos no período do
regime autoritário. A constatação é do cientista político Eliézer Rizzo de
Oliveira, especialista em assuntos militares e ex-diretor do Núcleo de Estudos
Estratégicos da Unicamp.
Ontem, ao participar da mesa-redonda Comissão
da Verdade, Forças Armadas e Regime Democrático, durante o 6.º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos da
Defesa, em São Paulo, Oliveira observou que a inquietação dos
militares aumenta. “Há uma grande preocupação quanto à legitimidade, aos
propósitos e à composição da comissão. Encontramos a expressão revanchista em
diversos documentos da área militar”, afirmou.
Na avaliação do especialista, os
receios não são infundados. ”Em algum sentido eles têm razão ao
se preocupar, porque persiste no governo a tese de que a anistia em vigor
tem de ser superada”, assinalou. “O governo Lula foi marcado por essa tensão.
Os ministros Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Vannuchi, de Direitos Humanos,
lideraram um movimento muito forte no sentido da superação da anistia”.
O principal objetivo da terceira versão do
Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou polêmicas e foi
modificado, teria sido justamente a revisão da Lei da Anistia:
“Na apresentação do programa, o presidente Lula falava da supressão das
normas que protegem aqueles que violaram os direitos humanos.”
No governo Dilma, as tensões persistem, de
acordo com o cientista político. “Entre os sinais que jogam um pouco de
luz nesse receio, dou como exemplo os processos em curso contra militares, movidos pelo
Ministério Público Federal”, afirmou, citando em seguida os casos do coronel da
reserva Carlos Brilhante Ustra, em São Paulo, e do major Sebastião Curió,
no Pará.
Em relação às tensões internas do governo da
presidente Dilma Rousseff, observou: “Gostaria de ter uma posição otimista
sobre o que virá, mas tenho que reconhecer que a tensão existe e é cultivada no
próprio governo. Tendo saído o Tarso Genro, hoje governador, entrou o paulista
Cardozo (José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça), que não tem falado
sobre isso. Mas seu ministério está plenamente envolvido na revisão da Lei da
Anistia. Paulo Abrão (titular da Secretaria Nacional de Justiça), jovem
jurista do Rio Grande do Sul, fez uma conferência aqui em São Paulo, acerca da
Comissão da Verdade, na qual afirmou que a ruptura com a transição controlada é
uma tarefa da sociedade do presente. O marco jurídico dessa transição
controlada é a Lei da Anistia.”
As análises do cientista político são
baseadas em conversas com militares da reserva e manifestações deles em sites
na internet. “Esses setores vivem com muito receio das manifestações que estão
vendo. Uma coisa importante é a explosão do número de comissões. Além da nacional,
existem comissões em câmaras municipais, governos estaduais, universidades que
viveram momentos repressivos. Daqui a pouco empresas públicas vão
criar suas comissões.
Oliveira defende, assim como os militares
e setores políticos e jurídicos, a atual interpretação da Lei da
Anistia de 1979. De acordo com essa interpretação, endossada pelo Supremo Tribunal Federal (STF),
ela teria beneficiado tanto os perseguidos pela ditadura militar quanto os
perseguidores - os agentes de Estado envolvidos com violações de direitos
humanos. O cientista político também é favorável à ideia de que a
Comissão da Verdade investigue, além dos crimes cometidos em nome do Estado, as
ações dos grupos que pegaram em armas contra a ditadura.
Na exposição de ontem, o especialista ainda
observou que a sociedade não pode ignorar a ameaça de uma nova
ruptura com a ordem democrática. ”O Ministério Público constituiu uma área
específica para lutar pela justiça de transição. Portanto, a perspectiva
deles (militares) é de que policiais e militares serão levados a
julgamento. E uma perspectiva mais grave ainda, de um senhor que já foi
ministro, o general Leônidas (Leônidas Pires, ministro do Exército no governo
do presidente José Sarney), que disse que o poder moderador tem que entrar
em ação. Poder moderador é golpe não silencioso. É aquela ideia, que vem de d.
Pedro I, de que as Forças Armadas, num determinado momento, trouxeram para si,
e as forças políticas concordaram, o direito de atuar autonomamente. Temos que
levar essa ameaça a sério.”
A mesa-redonda de ontem foi organizada por
Oliveira. Ao seu lado estavam José Gregori, que foi ministro de Direitos
Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso, e Roberto Romano, professor de
ética e filosofia da Unicamp.
Um terceiro convidado, José Genoino, assessor do
ministro da Defesa, Celso Amorim, não apareceu. Ex-presidente do PT e um
dos principais acusados na Ação Penal 470, mais conhecida como
mensalão, Genoino havia acertado a participação antes da
definição da data do julgamento no STF.
Fonte
Blog do Roldão Arruda do Estadão
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