Por Victor Gabriel Rodrigues
São dois Ministros iguais entre si: Gilmar Mendes e
Joaquim Barbosa. Nenhum dos dois veio da magistratura. Ambos têm gênio forte -
característica que, quando controlada, não é defeito. Mas ambos são donos de
uma vaidade absurda, de uma virulência que destoa completamente do que se
espera de uma alta corte, ao colocar o cargo como instrumento de auto-afirmação
pessoal.
Gilmar é capaz de alternar grandes momentos, em defesa
de garantias individuais, com um egocentrismo desvairado, como se observou no
episódio da Satiagraha, no qual aceitou sem nenhum pudor o papel que lhe foi
conferido pela mídia na defesa de Daniel Dantas.
Barbosa é capaz de investir contra companheiros
truculentos - quando sai como herói - ou esbravejar contra Ministros educados.
É emocionalmente desequilibrado, sem compostura, assim como Gilmar.
Ambos não pensam o Supremo como instituição, mas como
meio de satisfazer a egos alucinados e passar à opinião pública a impressão de
que sentenças são muito mais frutos de idiossincrasias e egos feridos do que do
respeito severo e ponderado às leis.
Neste final de semana, uma colunista adiantou que
Gilmar Mendes pautará seu voto para reagir às críticas que recebe da
blogosfera. Chute ou verdade (provavelmente foi uma maldade da colunista contra
um blogueiro seu desafeto), é comprovação da imagem que o Supremo projeta,
devido à postura de Gilmar.
No artigo abaixo, um especialista analisa o ato
insólito de Joaquim Barbosa, de ocupar parte do discurso da relatoria para
reagir a críticas pessoais contra ele.
Luis Nassif
Fatiamento expõe a Suprema Corte
Neste espaço já me referi às possíveis mazelas da
transmissão ao vivo e em HD do julgamento do mensaleiros, e os dois primeiros
dias de leitura de votos no Plenário do STF têm, em minha visão, confirmado os
tais efeitos deletérios. O tal julgamento 'fatiado' como cuidadosamente
adjetivou o atual presidente da Corte, acabou por evidenciar algumas
fragilidades institucionais cuja revelação pública, creio, não ocorre em
benefício de todo o País.
Deve-se começar ressaltando o que fiz em outra
oportunidade: a transparência da Justiça é valor a ser perseguido como ideal
sempre, mas sua exposição - que não é o mesmo - traz alguns riscos que, ainda
que melhor avaliados pelos profissionais de comunicação, merecem comentário
jurídico-político. Porque, enquanto se espera sempre uma Justiça acessível,
compreensível e sóbria, as imagens dos julgamentos, repetidas nos noticiários e
na internet, podem induzir a aparência de vulnerabilidade que a ninguém interessa.
Infelizmente não posso deixar de aludir ao caso
concreto: o ministro relator do mensalão, que ali tem de desempenhar o papel de
condutor e protagonista, tomou grande parte do seu voto em preliminar para
descrever o que um par de advogados havia dito sobre ele mesmo. E, ao fazê-lo,
transpareceu um subjetivismo excessivo, que confirmo com esta constatação: se
uma das funções do voto do relator é selecionar das cinquenta mil páginas dos
autos o que há de principal, a ação de relatar longamente as afirmações dos
advogados em relação a si próprio, ainda que em uma matéria a ser votada,
significa enfatizar interesse pessoal, valendo-se da posição de narrador do
caso que a relatoria lhe confere. Seria momento de perguntar se agiria
igualmente, se as mesmas ofensas fossem prolatadas a outro colega que não lhe
fosse tão simpático. Voltando aos fatos, a interrupção reiterada do
ministro-relator na fala dos seus próprios pares, quando notava que estes não
compartilhavam de seu grau de ofensa pela suspeição levantada pela advocacia,
reforça a distorção que quero destacar.
Esse grau de auto-protagonismo pode ser, dito sem
qualquer sarcasmo, um indicador de humildade. Porque, ao se sentir atingido com
uma afirmação lançada ao processo como exercício do direito de defesa, o
ministro dá mostras de que não se convenceu ainda de que sua figura está acima,
e muito, de tal espécie de ataque. Daí não ser uma afirmação conservadora
dizer-se que há, naquele Tribunal, que se manter uma aura de representatividade
de Estado, que os diplomatas bem conhecem, ainda quando o entorno é tenso e
instável.
No contexto de homens detentores de gigantesco poder
(há quem fale em suprademocracia controlada pelo Judiciário, o que não
compartilho), episódios assim não se restringem, portanto, à livre
exteriorização da personalidade. Julgando casos economicamente mais relevantes
da agenda brasileira, a exemplo da constitucionalidade de um imposto federal, é
imprescindível criar a segurança, na opinião pública, de que tais questões não
estão à mercê de humores momentâneos: um juiz que se altera com uma crítica
lançada aos autos pode, contrario sensu, decidir favoravelmente a uma causa por
conta de um extenso elogio a ele mesmo, e o pior: sem dar-se conta. Mas essa
suscetibilidade não passa despercebida a um argumentador profissional, que
assistirá aos julgamentos da TV Justiça como um técnico desportivo acompanha
videoteipes dos jogos anteriores do próximo adversário, identificando,
profissional e legitimamente, os flancos que se abrem. Ou seja: os ânimos
alterados são sim um instrumento de manipulação de resultado.
Em outras palavras, existe na justiça e na aplicação
do Direito um efeito difuso e simbólico, de que muitos bons teóricos já falam
abertamente. Na Suprema Corte, que nos representa a aplicação do Direito em
mais seu alto grau, a desconstrução da imagem de fria racionalidade do momento
decisório pode dinamitar um mito que, porque é mito, exerce função
estabilizadora no Estado. Por superficial que possa parecer, são pilares das
instituições.
A reflexão final é então importante: o caso do
mensalão, como processo fático, anos atrás já trincou a reputação de
incorruptível do alto Executivo de então, e agravou o descrédito do
Legislativo, que, também em seu mais elevado nível, nunca desfrutara de grande
prestígio. Espera-se que, agora travestido de ação penal, o mesmo mensalão não
afete a cúpula do Judiciário, que dispõe de todos os instrumentos para
demonstrar-nos ser o mais constante dos Poderes. Nisso, a opção pelo julgamento
segmentado, diante da novidade das transmissões ao vivo e das idiossincrasias
antigas dos seus componentes, talvez não seja a melhor escolha.
Víctor
Gabriel Rodríguez é professor doutor de direito penal da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo (USP/FDRP) e membro da União Brasileira de
Escritores
E-mail:
victorgabrielr@hotmail.com
No Advivo
Fonte – Blog do Saraiva
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