Por Walter Maierovitch
Jurista e membro das Academia Paulista de
História e Ac. Paulista de Letras Jurídicas; desembargador aposentado do
TJ-SP.Colunista de CartaCapital, comentarista na CBN e assessor internacional
para UE
Contam
os historiadores e cronistas da época que o presidente Eurico Gaspar
Dutra, diante de uma dúvida, perguntava aos assessores jurídicos o que
estava escrito no “Caderninho”.
O
tal Caderninho, como todos os assessores consultados sabiam, era a
recém-promulgada Constituição de 1946. A que substituíra a da ditadura do
Estado Novo.
Dutra
queria ser, para usar a expressão em moda à época, um legalista. Um soldado da
Constituição, como ele afirmava por ser um militar reformado e ex-ministro
da Guerra de Getúlio. E era necessário o Caderninho, a ponto de Dutra portar um
exemplar no bolso, porque o Brasil tinha acabado de sair da ditadura Vargas e
de fazer a sua Constituição democrática. Aquela de 1946, aniquilada pelo golpe
militar.
Deixar
alguém fora da ação penal, como pateticamente bradou da tribuna do Supremo
Tribunal Federal o advogado de Roberto Jefferson, estaria previsto
no Caderninho??????
O
nosso direito constitucional processual consagra, no devido processo, o
princípio da indivisibilidade da ação penal. Trocado em miúdo, isso quer dizer
que a ação penal deve ser proposta contra todos os que cometeram a infração
penal. O Ministério Público, portanto, não pode escolher apenas alguns que
praticaram crime, mas todos os conhecidos, identificados.
Dois
exemplos sobre a indivisibilidade. Se duas pessoas ofendem a honra de outra,
caluniando, difamando ou injuriando, no recinto de trabalho, caberá ação de
iniciativa da vítima. E ela não poderá escolher e propor queixa-crime contra
apenas um dos ofensores. Se isso suceder, a lei processual penal, de 1941,
determina: “A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo
de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade”. No caso de
um crime de roubo qualificado pelo concurso de agentes, não poderá o Ministério
Público, como titular da propositura da ação penal pública, escolher, dentre os
identificados, apenas alguns dos infratores.
No
caso do Mensalão, o então procurador-geral Antonio Fernando de Souza, que
era o único titular da ação penal pública e à luz do estabelecido foro
privilegiado por prerrogativa de função e das provas colhidas nos inquéritos
policial e parlamentar, denunciou todos os que ele entendeu envolvidos em
autoria, coautoria ou participação no Mensalão.
No
curso da ação penal, o procurador Roberto Gurgel, sucessor de Souza, não aditou
a denúncia para incluir algum outro coautor ou participante do chamado esquema
do Mensalão.
Assim, estabilizou-se
o processo (relação processual) e concluiu-se a instrução contraditória
e partiu-se para as alegações finais escritas e as sustentações
orais. No momento, estamos na antevéspera do julgamento.
O
advogado de Jefferson, com a proposta, a essa altura e sem prova nova, de
adiamento, de acréscimo, para a colocação de Lula como réu denunciado,
não passaria, certamente, no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
E o
advogado de Jefferson, que estava numa defesa técnica e perante uma Corte de
Justiça, nem se inibiu com tamanha falta de conhecimento sobre aquilo que,
nas Faculdades de Direito, ensina-se como sendo as primeiras linhas do processo
penal.
A
iniciativa para se aditar uma denúncia, em fase do princípio da
indivisibilidade, é sempre do Ministério Público na ação penal pública e na
privada.
Pelo
jeito, o advogado queria que a ação criminal fosse estancada no estado em que
se encontra, com Lula denunciado, citado para o processo, interrogado,
instrução reaberta etc, etc e até prescrever para Jefferson e todo mundo.
Num
pano rápido, pegaria melhor se Jefferson (ou seria Gerson, da lei da vantagem?)
dissesse onde foram parar os R$ 4 milhões que pegou do Mensalão e quais os
deputados do PTB contemplados. Isso para o Ministério Público entrar com
ação penal, até em nome da indivisibilidade.
Wálter Fanganiello Maierovitch
Fonte TerraMagazine
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