Por Ramalho
Além de punir eventuais culpados, a ação penal
470, o chamado mensalão, pode trazer outros benefícios ao país. O episódio
sugere três entradas na agenda política: foro por prerrogativa de função,
financiamento de campanha e lei de imprensa. Dependendo de como os temas sejam
conduzidos, pode-se robustecer a democracia, tornando-a menos suscetível à
praga latino-americana, os golpes de Estado. O governo Dilma deveria tomar a
inciativa de conduzi-los.
O foro por prerrogativa de função, o chamado
“foro privilegiado”, como se está a ver na ação penal 470, não passa de tribunal
de exceção que infirma o direito de defesa de uma classe de acusados composta
em grande parte pela elite política eleita. No foro, o acusado não tem direito
a dupla jurisdição, direito que assiste aos cidadãos comuns – foi por isto,
pelo enfraquecimento do direito de defesa, que réus comuns pediram o
desmembramento da ação e o envio de partes dela a instâncias inferiores. É de
se ressaltar que o foro, um tribunal de exceção, foi expressamente vedado em
todas as constituições brasileiras, desde o Brasil império. Nem mesmo a
ditadura teve coragem de instituí-lo. Infelizmente, a Constituição de 1988
criou-o. O debate deste tema precisa se dar porque há risco de um pequeno grupo
– o PGR mais alguns ministros do Supremo – sobreporem-se à vontade dos
eleitores e destituírem sob pretexto alegadamente criminal um presidente da
república, por exemplo. O foro deixa aberta a porta para o chamado golpe
constitucional a laHonduras e Paraguai.
Não fora uma iniciativa fortuita – que os
constituintes não previram –, iniciativa do ministro Marco Aurélio e que é a TV
Justiça, talvez já tivéssemos sido vítimas de mais um golpe de Estado, um golpe
constitucional desta vez – possibilidade que FHC cogitou e cogita. A TV Justiça
expõe julgamentos a todo o país, dificultando conchavos e ilegalidades, embora,
como se vê na ação penal 470, eles existam (por exemplo, a negativa de dupla
jurisdição, direito fundamental de ampla defesa, sob alegação de conveniência
operacional do julgador, é a prevalência do conforto dos julgadores sobre
direito constitucional e fundamental do réu, um absurdo, data maxima
venia, como se diz). Ainda bem que existe a TV Justiça, pois sem ela a
coisa seria muito pior. De toda forma, a existência, ou não, de tribunal de
exceção para políticos precisa ser debatida.
Como é de conhecimento geral, o financiamento
privado de campanha é origem da corrupção, se não de toda ela, de sua maior
parte. A ação 470, aliás, é prova substantiva disto. O financiamento privado de
campanha é instrumento por meio do qual a elite econômica aparelha o aparato
político. A relação promíscua entre o poder político e o capital frauda a
democracia, pois trai a vontade dos eleitores, uma vez que políticos capturados
pelos economicamente poderosos passam a servir a estes, e não aos eleitores. A
corrupção, por sua vez, é incontrolável, pois vem de cima, de políticos
eleitos, vem do mau exemplo deles, contaminados pelo pecado original do
financiamento privado. O debate sobre o financiamento de campanha, se público,
privado, ou misto, tem de se dar, pois o gasto com ele, se público, é, para a
sociedade em geral, irrisório frente à economia que terá com a redução dos
gastos com corrupção na área pública.
Finalmente, a lei de imprensa urge. A tentativa
de manipular o Supremo para que julgue politicamente, e que está sendo
bem-sucedida parcialmente – pois, enquanto o julgamento do mensalão do PSDB é
postergado, embora mais antigo do que o mensalão do PT, este é julgado
açodadamente – é intolerável. Houve tentativa de golpe de Estado constitucional,
pois queriam pôr o Lula como réu nesta ação 470, e querem, agora, influir nas
eleições municipais. O debate sobre a lei de imprensa (ou meios) tem de ser
feito, apesar de tratar-se de questão complexa e controversa. Porém, por mais
controversa que seja a questão, é inadmissível que a imprensa seja impunemente
usada para promover golpe de Estado, como foi feito no Paraguai e em Honduras,
e tentaram fazer na Venezuela. A imprensa não vale mais do que os eleitores, e
não lhe é dada a prerrogativa de funcionar como terceiro turno no qual a
vontade dela prevalece.
A ação 470 explicita a necessidade urgente de se
travar debate sobre o tribunal de exceção, financiamento de campanha e lei de
imprensa. O perfil do Congresso, dada nossa história política, pode ser dito
progressista, o que favorece o aprimoramento institucional de nossa democracia.
Ademais disto, a maioria do Congresso está com Dilma. A hora do debate é agora.
Fonte
– Blog do Nassif
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