1 de agosto de 2012

Ponto alto do centenário de Nelson Rodrigues, mostra encena as suas 17 peças



Há 70 anos, o jornalista Nelson Rodrigues se transformava em dramaturgo. Em 9 de dezembro de 1942, estreava “A mulher sem pecados”, sua primeira peça. A julgar pela repercussão do público e da crítica, seria preciso mais que lucidez ou profecia para imaginar aquele autor de primeira viagem alçado a maior dramaturgo da História do teatro brasileiro — o que se tornou realidade anos mais tarde. O sucesso do escrito seguinte, “Vestido de noiva”, fez Nelson seguir adiante, e entre aplausos e bordoadas ele continuou a escrever até 1978, quando criou “A serpente”, sua peça derradeira. Morto em 1980, o autor deixou, além de romances e inúmeras crônicas, 17 peças de teatro. Juntas, elas constituem uma obra singular, atemporal, e que será encenada integralmente pela primeira vez a partir desta quarta-feira, com o início da mostra “A gosto de Nelson”.
Idealizada por Nelson Rodrigues Filho e Crica Rodrigues e realizada pela Funarte a partir de um edital, o projeto é o ponto alto de uma série de atividades— peças, ópera, lançamento de livros e exposições — que marcam o centenário do autor, que completaria 100 anos em 23 de agosto. Até o fim do mês, os teatros Dulcina e Glauce Rocha receberão 17 montagens vindas de 11 diferentes estados brasileiros.
— É a primeira vez que a obra do velho ganha uma retrospectiva completa — diz Nelson Rodrigues Filho.
Até o fim do ano, Nelsinho se prepara para dirigir uma grande encenação de “Vestido de noiva”, que estreia no Teatro Municipal no dia 28 de dezembro.
— É o mesmo dia da estreia de 1943, e vamos reeditar o cenário criado pelo Tomás Santa Rosa — conta. — Além disso, em setembro, vamos organizar três exposições no Glauce Rocha, sobre a relação do velho com TV e cinema, jornalismo e futebol. É um momento importante, e essa mostra integral é o começo de tudo.
Presidente da Funarte, o ator Antônio Grassi ressalta o ineditismo da mostra:
— Você vai à Inglaterra e pode conferir a obra de Shakespeare em festivais, então estava na hora de termos essa visão total de Nelson aqui no Brasil.
A série começa com as duas primeiras peças do autor, quarta e quinta-feira, às 19h: “A mulher sem pecado” (1942), no Glauce Rocha, com direção do mineiro Kalluh Araújo, e “Vestido de noiva” (1943), encenada pelos paulistas Os Satyros, no Dulcina. Já no sábado e no domingo, “Anti-Nelson Rodrigues” (1974), de Santa Catarina, estará no Glauce Rocha, com direção de André Carreira, enquanto os pernambucanos do Magiluth encenam “Viúva, porém honesta” (1957), no Dulcina. A mostra traz ainda “Senhora dos afogados”, dirigida por Zé Henrique de Paula, dias 11 e 12, no Glauce, e o olhar de Antônio Guedes para “A serpente”, dias 30 e 31, no Dulcina.
— O velho não era do Rio, mas se assumiu carioca como pessoa e autor, representando o homem da classe média. Bom reunir na cidade visões cariocas e de outros estados — diz Nelsinho.
Para Grassi, a mostra pega emprestado o conceito multirregional de outro projeto da Funarte, o Mambembão.
— Apresentar estéticas de fora da cidade possibilita um olhar mais abrangente sobre a obra.
A obra de Nelson Rodrigues marcou a primeira experiência de Grassi como ator profissional, em 1973, com “O beijo no asfalto”:
— Ele estava na plateia, foi difícil... — lembra. — Depois fiz “A serpente” e fui conhecendo as peças aos poucos. Via uma, depois outra... Então agora é uma oportunidade única de ver aquela que ainda não vimos, porque algumas ficaram marginalizadas.
Opinião compartilhada pelo diretor da Armazém Cia. de Teatro, Paulo de Moraes:
— Não sei se alguém vai mergulhar na maratona de assistir às 17, mas acho ótimo elas estarem à disposição. Mas o grande barato é poder escolher. Eu, por exemplo, não assisti a “Anti-Nelson Rodrigues”. Quero ver.
O diretor estreia amanhã, fora da mostra, uma remontagem de “Toda nudez será castigada” no Sesc Ginástico. Após uma temporada de três semanas, a peça integrará a mostra “A gosto de Nelson”, nos dias 25 e 26, no Dulcina.
— Montamos essa peça há sete anos, é um prazer retornar a esse estudo — diz Moraes.
Mesmo prazer que Eduardo Wotzik vem saboreando nos ensaios de “Bonitinha, mas ordinária”, que ele dirigiu há 20 anos e agora reencena com o elenco original, nos dias 22 e 23 no Glauce Rocha. Para ele, conhecer a obra de Nelson é poder vê-la encenada.
— A memória do teatro se dá através da cena, e não no papel — diz Wotzik. — Com a mostra a gente pode entender os caminhos do autor, comparar as peças que já vimos, ver como evoluem, como cada tempo lê uma peça... Mas o incrível é ver que Nelson tem a característica central do clássico, que é a capacidade de se contemporaneizar sempre.
Estudioso da obra, o diretor Nelson Baskerville prepara duas encenações para o público da cidade. Dentro da mostra ele apresenta “Os sete gatinhos” nos dias 18 e 19, no Dulcina. Já em em outubro ele traz “17x Nelson — Se não é eterno, não é amor”, que amalgama uma série de reflexões do autor sobre o amor e a morte.
— Nelson tem um apelo com o público que os autores nacionais deveriam resgatar — diz Baskerville. — Ele era profundo e popular, trazia humor e reflexão, fazia a plateia pensar nos seus monstros e, mesmo assim, se divertir com isso.
O que vem por aí em 2012:

Peças
Além da mostra “A gosto de Nelson”, que vai de hoje ao fim do mês e cuja programação pode ser conferida no site www.funarte. gov.br, outras peças chegam ao Rio: “Oh, Nelson Rodrigues, que adoráveis criaturas!” (estreia dia 3/8 na Sala Banden Powell), com direção de Wagner Brandi; “O beijo no asfalto” (4/8, no Gláucio Gill), com direção de César Rodrigues; “A serpente” (16/8, no Nelson Rodrigues), dirigida por Ivan Sugahara; “O casamento” (30/8, no Carlos Gomes), com João Fonseca; “Valsa nº6” (setembro no CCBB), com a Cia. de Teatro Portátil; além de “Vestido de noiva” (28/12 no Municipal), com direção de Nelson Rodrigues Filho.
Livros
A editora Nova Fronteira inicia este mês a reedição das obras completas do autor, e Sônia Rodrigues lança, em setembro, a compilação “Brasil em campo”.

Ópera
“Anjo negro” será encenada como ópera em outubro no Parque Lage, com direção de André Heller e música de João Guilherme Ripper.

Exposições
No dia 16/8, “Expulsão do paraíso: A serpente” chega ao Teatro Nelson Rodrigues. Em setembro, a “Ocupação Nelson Rodrigues” chega a Recife, e “100 vezes Nelson — Nelson Rodrigues e o Rio de Janeiro” abre simultaneamente em três bibliotecas públicas do Rio.

Fonte – oglobo.com

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