Há 70 anos, o jornalista Nelson Rodrigues se transformava em dramaturgo. Em 9
de dezembro de 1942, estreava “A mulher sem pecados”, sua primeira peça. A
julgar pela repercussão do público e da crítica, seria preciso mais que lucidez
ou profecia para imaginar aquele autor de primeira viagem alçado a maior
dramaturgo da História do teatro brasileiro — o que se tornou realidade anos
mais tarde. O sucesso do escrito seguinte, “Vestido de noiva”, fez Nelson
seguir adiante, e entre aplausos e bordoadas ele continuou a escrever até 1978,
quando criou “A serpente”, sua peça derradeira. Morto em 1980, o autor deixou,
além de romances e inúmeras crônicas, 17 peças de teatro. Juntas, elas
constituem uma obra singular, atemporal, e que será encenada integralmente pela
primeira vez a partir desta quarta-feira, com o início da mostra “A gosto de
Nelson”.
Idealizada
por Nelson Rodrigues Filho e Crica Rodrigues e realizada pela Funarte a partir
de um edital, o projeto é o ponto alto de uma série de atividades— peças,
ópera, lançamento de livros e exposições — que marcam o centenário do autor,
que completaria 100 anos em 23 de agosto. Até o fim do mês, os teatros Dulcina
e Glauce Rocha receberão 17 montagens vindas de 11 diferentes estados
brasileiros.
— É
a primeira vez que a obra do velho ganha uma retrospectiva completa — diz
Nelson Rodrigues Filho.
Até
o fim do ano, Nelsinho se prepara para dirigir uma grande encenação de “Vestido
de noiva”, que estreia no Teatro Municipal no dia 28 de dezembro.
— É
o mesmo dia da estreia de 1943, e vamos reeditar o cenário criado pelo Tomás
Santa Rosa — conta. — Além disso, em setembro, vamos organizar três exposições
no Glauce Rocha, sobre a relação do velho com TV e cinema, jornalismo e
futebol. É um momento importante, e essa mostra integral é o começo de tudo.
Presidente
da Funarte, o ator Antônio Grassi ressalta o ineditismo da mostra:
—
Você vai à Inglaterra e pode conferir a obra de Shakespeare em festivais, então
estava na hora de termos essa visão total de Nelson aqui no Brasil.
A
série começa com as duas primeiras peças do autor, quarta e quinta-feira, às
19h: “A mulher sem pecado” (1942), no Glauce Rocha, com direção do mineiro
Kalluh Araújo, e “Vestido de noiva” (1943), encenada pelos paulistas Os
Satyros, no Dulcina. Já no sábado e no domingo, “Anti-Nelson Rodrigues” (1974),
de Santa Catarina, estará no Glauce Rocha, com direção de André Carreira,
enquanto os pernambucanos do Magiluth encenam “Viúva, porém honesta” (1957), no
Dulcina. A mostra traz ainda “Senhora dos afogados”, dirigida por Zé Henrique
de Paula, dias 11 e 12, no Glauce, e o olhar de Antônio Guedes para “A serpente”,
dias 30 e 31, no Dulcina.
— O
velho não era do Rio, mas se assumiu carioca como pessoa e autor, representando
o homem da classe média. Bom reunir na cidade visões cariocas e de outros
estados — diz Nelsinho.
Para
Grassi, a mostra pega emprestado o conceito multirregional de outro projeto da
Funarte, o Mambembão.
—
Apresentar estéticas de fora da cidade possibilita um olhar mais abrangente
sobre a obra.
A
obra de Nelson Rodrigues marcou a primeira experiência de Grassi como ator
profissional, em 1973, com “O beijo no asfalto”:
—
Ele estava na plateia, foi difícil... — lembra. — Depois fiz “A serpente” e fui
conhecendo as peças aos poucos. Via uma, depois outra... Então agora é uma
oportunidade única de ver aquela que ainda não vimos, porque algumas ficaram
marginalizadas.
Opinião
compartilhada pelo diretor da Armazém Cia. de Teatro, Paulo de Moraes:
—
Não sei se alguém vai mergulhar na maratona de assistir às 17, mas acho ótimo
elas estarem à disposição. Mas o grande barato é poder escolher. Eu, por
exemplo, não assisti a “Anti-Nelson Rodrigues”. Quero ver.
O
diretor estreia amanhã, fora da mostra, uma remontagem de “Toda nudez será
castigada” no Sesc Ginástico. Após uma temporada de três semanas, a peça
integrará a mostra “A gosto de Nelson”, nos dias 25 e 26, no Dulcina.
—
Montamos essa peça há sete anos, é um prazer retornar a esse estudo — diz
Moraes.
Mesmo
prazer que Eduardo Wotzik vem saboreando nos ensaios de “Bonitinha, mas
ordinária”, que ele dirigiu há 20 anos e agora reencena com o elenco original,
nos dias 22 e 23 no Glauce Rocha. Para ele, conhecer a obra de Nelson é poder
vê-la encenada.
— A
memória do teatro se dá através da cena, e não no papel — diz Wotzik. — Com a
mostra a gente pode entender os caminhos do autor, comparar as peças que já
vimos, ver como evoluem, como cada tempo lê uma peça... Mas o incrível é ver
que Nelson tem a característica central do clássico, que é a capacidade de se
contemporaneizar sempre.
Estudioso
da obra, o diretor Nelson Baskerville prepara duas encenações para o público da
cidade. Dentro da mostra ele apresenta “Os sete gatinhos” nos dias 18 e 19, no
Dulcina. Já em em outubro ele traz “17x Nelson — Se não é eterno, não é amor”,
que amalgama uma série de reflexões do autor sobre o amor e a morte.
— Nelson
tem um apelo com o público que os autores nacionais deveriam resgatar — diz
Baskerville. — Ele era profundo e popular, trazia humor e reflexão, fazia a
plateia pensar nos seus monstros e, mesmo assim, se divertir com isso.
O que vem por aí em 2012:
Peças
Além
da mostra “A gosto de Nelson”, que vai de hoje ao fim do mês e cuja programação
pode ser conferida no site www.funarte. gov.br, outras peças chegam ao Rio:
“Oh, Nelson Rodrigues, que adoráveis criaturas!” (estreia dia 3/8 na Sala
Banden Powell), com direção de Wagner Brandi; “O beijo no asfalto” (4/8, no
Gláucio Gill), com direção de César Rodrigues; “A serpente” (16/8, no Nelson
Rodrigues), dirigida por Ivan Sugahara; “O casamento” (30/8, no Carlos Gomes),
com João Fonseca; “Valsa nº6” (setembro no CCBB), com a Cia. de Teatro
Portátil; além de “Vestido de noiva” (28/12 no Municipal), com direção de
Nelson Rodrigues Filho.
Livros
A
editora Nova Fronteira inicia este mês a reedição das obras completas do autor,
e Sônia Rodrigues lança, em setembro, a compilação “Brasil em campo”.
Ópera
“Anjo
negro” será encenada como ópera em outubro no Parque Lage, com direção de André
Heller e música de João Guilherme Ripper.
Exposições
No
dia 16/8, “Expulsão do paraíso: A serpente” chega ao Teatro Nelson Rodrigues.
Em setembro, a “Ocupação Nelson Rodrigues” chega a Recife, e “100 vezes Nelson
— Nelson Rodrigues e o Rio de Janeiro” abre simultaneamente em três bibliotecas
públicas do Rio.
Fonte
– oglobo.com
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