Por Lula Miranda
Eu poderia “achar”
que você era culpado. O meu vizinho poderia achar que você era culpado. O
taxista poderia achar. Todo mundo poderia “achar” que Zé Dirceu era culpado.
Mas um juiz, seja do Supremo ou de 1ª instância, não pode, em absoluto, “achar”
Foi o que teria dito a José Dirceu, em Setembro
de 1969, um dos presos políticos naquele histórico momento de resistência à
ditadura militar em que 15 prisioneiros do regime de exceção e arbítrio, que se
instaurara no Brasil, foram libertados em troca do embaixador americano –
na fotografia aparecem 13, apenas uma mulher.
Exceção e arbítrio. Palavras malditas.
Palavras-emblema de tempos sombrios.
Segundo relato de Flavio Tavares, hoje
jornalista e escritor, ele teria sussurrado aos companheiros na ocasião: “Vamos
mostrar as algemas”. Fez isso num insight “de momento” ao
notar que os presos que estavam ali perfilados, alguns agachados, como um time
de futebol campeão, numa forçada pose para uma foto que viria a se tornar
histórica, escondiam as algemas. E por que escondiam as algemas aqueles jovens?
Talvez por vergonha. Talvez porque estivessem preocupados em como aquela imagem
poderia machucar ainda mais seus familiares e parentes mais próximos. Ou
talvez, simplesmente, porque já estavam por demais combalidos e abalados moral
e emocionalmente para se preocuparem com aquele peculiar adereço do arbítrio.
Não se sabe ao certo, tampouco importa. Mas, insistiu Tavares, naquele “insight”
que, ao contrário,em vez de esconder, as exibisse.
Mostre as algemas, Zé! Exorto-lhe
nos dias que correm hoje. Dias de incipiente e vilipendiada democracia.
Na foto, podem verificar, percebe-se nitidamente
o Zé Dirceu exibindo, intrépido, as malditas algemas.
Eu que não fui amigo daquele jovem idealista
algemado de outrora, tampouco conheci o suposto homem “todo-poderoso” do
governo; logo eu que o combati na disputa política, até com palavras duras, eu
que nunca o vi mais magro, ouso lhe fazer a mesma súplica: Mostre
as algemas, José Dirceu!
Não tenha vergonha de nada; tenha orgulho. Você
ainda será, por vias transversas, um preso político. Sim, orgulho! Em que pese
a maledicência covarde daqueles que, assim como naqueles dias sombrios de 1969,
hoje lhe apontam o dedo, xingam e condenam. São os mesmos – “imortais”,
“eternos” porta-bandeiras da (falsa?) moral. Ora se são!
Mostre as algemas, Zé!
Exiba a todos, daqui e para o resto do mundo!
Mostre a todos o que se faz aqui no Brasil a homens como você, que prestaram
valorosos serviços à pátria; que lutaram com destemor contra a ditadura; que
ajudaram a eleger o Lula; que empenharam a sua vida e juventude no afã de mudar
um pouco a feia face desse país tão injusto com seus filhos, ajudando a
implantar políticas públicas que tiraram milhões da miséria e do desalento.
Mostre a p* dessas algemas, cara! Para o bem e para o mal. Para o orgulho dos amigos
e regozijo dos inimigos.
Confesso que esperava que o julgamento do STF
fosse “emblemático”, justo. Não “justo” pelo mesmo metro, critério ou
“premissas” com que a imprensa insuflou e ensandeceu as galerias. Mas justo “de
verdade”: que fossem condenados os culpados, aqueles que tivessem suas culpas
efetivamente comprovadas. Sim, que fosse uma firme sinalização rumo ao
fim da impunidade no Brasil. Mas não foi isso exatamente o que se viu. Não foi
isso que testemunhamos. Houve erro e exagero. Do Supremo. Da mídia grande em
geral. Uma caricatura. Entre erros e acertos, a injustiça foi soberana.
Os ministros demonstraram-se, desgraçadamente,
um tanto tíbios, vaidosos e suscetíveis à pressão e clamor da turba, de modo
irresponsável manipulada e insuflada pela opinião publicada.
Você foi condenado sem provas. Isso é fato,
irretorquível. Foi condenado sem provas, repito. Foi condenado com base
em suposições e suspeitas, com bases em capciosos “artifícios” jurídicos,
tais como a hoje célebre “teoria do domínio do fato”. Uma excrescência, uma espécie
de “licença poética” do golpismo – com o perdão dos poetas, por aqui aproximar
as palavras “poética” e “golpismo”.
Eu poderia “achar” que você era culpado. O meu
vizinho poderia achar que você era culpado. O taxista poderia achar. Todo mundo
poderia “achar” que Zé Dirceu era culpado. Mas um juiz, seja do Supremo ou de
1ª instância, não pode, em absoluto, “achar” que você ou qualquer outro é
culpado. Isso é uma ignomínia – como você tem se cansado de dizer, reiteradas
vezes, em suas manifestações. Não nos cansemos de, indignados, exclamar: uma
excrescência, uma ignomínia!
Zé,mostre as algemas! Elas são o espúrio troféu
que lhe ofertam os verdugos!
Nunca pensei em sair do meu país, Zé, agora já
penso com carinho e desconforto nessa possibilidade. Como posso viver num país
em que minhas garantias fundamentais de cidadão não são respeitadas?!
Que país é esse?! Que Justiça é essa?!
Quebrou-se a pedra fundamental de toda nossa
estruturação jurídica: a presunção da inocência. Em seu lugar colocaram a presunção
da culpa. Parece piada, de mau gosto, decerto, mas não é. Como já disse antes,
repito: não se é permitido fazer graça com a desgraça alheia. E sua vida foi
desgraçada, Zé.
Mostre as algemas!
Veja bem, se você – insisto, reitero – um homem
que tantos serviços prestou ao país, um homem respeitado por intelectuais,
políticos e autoridades do mundo todo foi enxovalhado dessa maneira, submetido
à execração pública pela mídia. Desonrado, chamado de “quadrilheiro”,
“mensaleiro”, “ladrão”, o que fariam com um “poeta marginal” como eu? Um homem
qualquer, sem galardão algum, sem cânone, sem mérito. Parafraseando certa
atriz de cenho angelical, “namoradinha” desse mesmo Brasil: tenho medo.
Não sei que monstro o STF e a grande imprensa
estão ajudando a criar. Mas uma coisa eu lhe asseguro: é assustador.
Para aqueles que, sem questionar, acham justa a
sua condenação e prisão eu pergunto; para os “inocentes úteis” que aceitam sem
titubear esses consensos forjados e essas verdades absolutas que a grande mídia
sopra, todos os dias, em nossas consciências nos telejornais e nas manchetes
dos jornais estampadas nas bancas; faço-lhes a pergunta que não quer calar:porque
criminalizam e prendem somente os petistas e mais alguns “mequetrefes” da
chamada “base aliada” do governo Lula?
Por que essas práticas de sempre na política,
hipocrisia à parte, agora “ilícitas” e “criminosas”, só são permitidas aos “de
sempre”? Por que os sessenta e tantos investigados no chamado “mensalão
mineiro” [não é tucano?!] não foram acusados/denunciados? E não serão jamais –
pois para estes o crime é eleitoral; é caixa 2, já prescreveu [“Dois pesos,
dois mensalões” – by Jânio de Fritas]. Já quando são petistas os agentes da
ação... é corrupção; é “golpe”; são “práticas espúrias”, “criminosas” de
um partido, digo de uma “quadrilha”, em “sua sanha de se perpetuar ad
eternum no poder”. Não, essas palavras não vieram da tribuna do Senado
ou da Câmara dos Deputados, não saíram da boca de algum político da
oposição, mas – pasmem! – foram proferidas por ministros do Supremo. Por
ministros do Supremo, repito! Juízes na Ação Penal nº 470. Vejam a que ponto
chegamos!!!
Mostre as algemas, Zé! Mostre as algemas!
Essas tais “práticas ilícitas” ou “criminosas”
não deviam ser permitidas a ninguém - não é mesmo? A Justiça não deveria
ser igual para todos?!
Qual a resposta a esse singelo por quê?
Por que só os petistas são condenados,
execrados e presos?
A resposta também é simples: para que o
poder permaneça nas mãos dos "de sempre", nas mãos dos eternos “donos
do poder”. As chamadas “regras do jogo”, até as bastardas, servem
apenas para a parte podre das nossas elites; quando é para os “do lado de cá”
aí deixa de ser “regra do jogo”, passa a ser crime; “práticas espúrias”;
“compra de voto”.
Faço um singelo convite a todos: vamos pensar o
país, no qual a gente vive, um pouco além da hipocrisia, do partidarismo,
do "falso moralismo" e dos "manchetismos grandiloquentes"
de uma imprensa que serve aos interesses de determinada classe social e
ideologia. Mais temperança e equilíbrio aos juízes Supremos e nem tão supremos
assim, o chamado “cidadão comum”.
Não podemos nos dobrar a esse estado de coisas.
Não podemos nos calar e assim sermos cúmplices e testemunhos silentes dos erros
dos tribunais. Repito: o Supremo exagerou; a mídia exagerou.
Quadrilha?! Onde? Compra de votos?! Penas de
reclusão superiores a 30 anos! Há aí um nítido erro na tipificação dos crimes,
nas condenações e exagero na dosimetria das penas. O que é uma pena. Pois
isso poderá até favorecer aos condenados, pois essas condenações injustas e
essas penas exageradas certamente serão revistas algum dia, por esse ou por
outro tribunal. Espero, sinceramente, que sejam revistas por esse mesmo
colegiado, pois ali também estão homens de valor. E que essa vergonha, esse
grave equívoco não se perpetue.
Nesse momento, só me resta dizer...
Mostre, com orgulho, as algemas, José Dirceu!
Fonte – Brasil247
Lula Miranda é poeta, cronista e Economista. Foi um dos nomes
da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da
chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório
da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda
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