Por
Moziel T. Monk
As “trolladas” no Regime Militar
Dizem que o ano de
1968 ainda não terminou, fazendo referência ao livro do Zuenir Ventura. O período da Ditadura Militar é
um episódio historicamente recente e que ainda desperta discussões e polêmicas.
Tanto que atualmente é o tema central de uma novela do SBT, “Amor e
Revolução”. E uma das marcas desta época foi a rigorosa censura, que
impedia que qualquer coisa que atentasse contra a moral e os bons costumes
viessem a público. Como boa parte da classe artística era contra o regime, a
censura também perseguia qualquer manifestação que criticasse o governo ou
fosse considerada propaganda “subversiva”. E sempre que a liberdade de
expressão é, de alguma forma ameaçada nos nossos dias, essa época é sempre
lembrada como tempos sombrios para a cultura e a imprensa.
Mas isso não impedia
que, vez por outra, alguns conseguissem dar um drible nos censores e sacanear o
regime em praça pública, em atitudes que hoje a geração Y tranquliamente
chamaria de “trollar”. Para a geração Ipod, lembro aqui uns cinco casos nos
quais os autores deliberadamente deram uma sacaneada no regime. Ei-los:
A arte como um todo
foi um foco de resistência ideológica, e a censura fazia marcação cerrada em
cima da produção artística daqueles considerados “subversivos”. Na música,
autores faziam malabarismos metafóricos para, no subtexto, cravar uma estaca
nos peitos do regime. Às vezes colava, às vezes não. Um dos mais visados
compositores daqueles tempos era Chico
Buarque, e o fato de ter seu nome em alguma composição que passava
pelo crivo dos censores já era motivo prévio para tacar um carimbo de foda-se
censurado. Tanto é que ele chegou a adotar o pseudônimo de Julinho de Adelaide
para assinar algumas de suas músicas. Há várias músicas de Chico que fazem
referência ao quadro político do país, como “A
Rita”, uma corruptela de a dita (dura) que levou seu sorriso e
emudeceu seu violão, ou “Cálice”,
um trocadilho com “cale-se”. Todavia a melhor que passou foi “Apesar
de Você”, um puta desabafo contra o governo Médici, que passou
incólume sob a tesoura da censura, mesmo com letra
agressiva contra o General Presidente de então. A história que Chico contou é
de que a música se referia a um antigo amor, uma mulher muito mandona e
autoritária. Quando alguém prestou atenção na letra e percebeu que a “mulher”
era o General Médici, o pau comeu e a música foi proibida, mas depois de
semanas tocando em tudo que é rádio e com o disco sendo vendido nas lojas. E,
apesar de tudo, o amanhã foi outro dia, de fato.
Ainda na música,
outra afronta descarada ao sistema que só veio à tona em anos recentes foi o
disco de Tom Zé, “Todos os Olhos” , no qual o artista do
tropicalismo, juntamente com o poeta Décio Pignatari, resolveram fotografar um brioco
em close com uma bola de gude encaixada. Sim, os malucos resolveram por um cu
em uma capa de LP para ser exposto ao público em lojas.
Bem, para os que
ainda não conhecem, a figura acima é capa do disco em questão, que ficou
famosos mais pela capa que por suas músicas, pois em plena vigência do AI-5,
o poeta concretista Décio Pignatari resolveu sacanear com a censura e sugeriu
que fotografassem uma bola de gude em cima do orifício monossilábico posterior
(popularmente conhecido como cu) para servir de capa de disco. A ideia era
expor um cu nas lojas para desmoralizar o regime. Tom Zé topou, com certa
relutância, até porque quem tem cu tem medo, principalmente nos anos de chumbo.
O resultado é o que você deve estar vendo no topo do post. Quando a história
veio à tona em an(u)ons recentes, até a revista “Sexy” colocou um apelo para se
descobrir quem teria sido a modelo que expôs a sua parte da anatomia onde o sol
não bate. Bem, tinha amigo meu que desconfiava que era o “pranóis” de Caetano Veloso…
Mas o irônico é que
em 2005, em uma matéria na revista “Carta Capital”, uma nova versão, até mesmo
desconhecida pelo Tom Zé, veio à tona. Em suma, depois de herCÚleas tentativas
de se reproduzir a ideia de Pignatari, as fotos da bola sobre o brioco não
ficaram muito fotogênicas, e o fotógrafo acabou preferindo colocar a bola na
boca da modelo, tendo um resultado mais satisfatório.
É uma pena, pois caiu
um mito dos mais arraigados da MPB. Até o Tom se surpreendeu com a notícia de
que o cu era uma boca, no frigir dos ovos. Já o Décio já está cansado de tanto
falar nesse bendito butico, que no fim das contas, nem furico era.
Entre as inúmeras
parcerias que o poeta e compositor Vinícius de Moraes,
a com Toquinho rendeu músicas que se tornaram clássicas da Música popular.
Mesmo evitando temas mais espinhosos, vez por outra o poetinha tinha alguma
rusga com a censura. Um belo dia a dupla resolveu sacanear com a censura ao
inserir um palavrão cabeludo no meio de uma letra
bem humorada, porém escrito em dialeto nagô. A sugestão teria vindo da então
esposa de Vinícius, Gesse Gessy, que tascou a expressão “a tonga da milonga do
kabuletê”, que em bom português significa “os pêlos do cu da mãe”, segundo
explicara a esposa baiana do poeta. Como Vinícius tinha certeza que não se
ensinava nagô na Academia das Agulhas Negras, mandou ver, e se divertiu ao
xingar os milicos sem ser incomodado.
“Eu Quero Mocotó!!”
Mas censor nem sempre
era a figura do cão. Como todo bom burocrata e funcionário público, ele estava
ali fazendo o seu trabalho. E em muitos casos acabava surgindo alguma amizade
entre censores e artistas, e a tesoura acabava pegando leve. A turma do Pasquim
se tornou famosa por ludibriar e levar na conversa muitos dos censores que
ficavam em sua redação, por vezes à custa de muito uísque Buchanan’s, que
acabava “lubrificando” a relação entre censura e um dos semanários mais
críticos ao regime. Numa dessas, a censora de plantão, D.Marina, liberou uma
reprodução do quadro “O Grito do Ipiranga”, de José Américo, com a frase “Eu
Quero Mocotó!” saindo de D.Pedro I. Os militares não gostaram nem um
pouco e mandaram a redação inteira para o xilindró durante dois meses. Mas o
jornal não deixou de ser editado, pois os colegas da patota do Pasquim se
reuniram e tocaram a publicação durante a ausência de seus titulares, e a
versão publicada é que todos estavam “acometidos de gripe”. Depois dessa
presepada, os editores tinham que ir diretamente a Brasília negociar a
liberação das edições seguintes.
Para servir de
saideira, uma ótima para ilustrar o nível intelectual daqueles que comandavam a
repressão, e mesmo não sendo a intenção dos artistas, expôs ao ridículo as
autoridades, que não eram exatamente famosas por sua cultura e inteligência. Em
1965 a peça “Electra” foi encenada no teatro municipal, e a trama chocou os mais
conservadores, que chamaram o elenco “aos costumes”, e a polícia ficou doida
para prender quem escrevera aquela pouca-vergonha a pedido do DOPS. Claro que
ninguém ali percebeu o pequeno detalhe que o texto era uma tragédia grega
escrita uns 400 anos antes de Cristo por um tal de Sófocles,
coincidentemente o pai da tragédia grega. E claro que não se poderia
perder este mote para se tirar sarro do regime, e a tragédia virou comédia nas
mãos de Sérgio Porto e seu FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o País.
Fonte – www.blodega.com
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