10 de setembro de 2012

Antologia da Trolagem



Por Moziel T. Monk
As “trolladas” no Regime Militar
Dizem que o ano de 1968 ainda não terminou, fazendo referência ao livro do Zuenir Ventura. O período da Ditadura Militar é um episódio historicamente recente e que ainda desperta discussões e polêmicas. Tanto que atualmente é o tema central de uma novela do SBT, “Amor e Revolução”. E uma das marcas desta época foi a rigorosa censura, que impedia que qualquer coisa que atentasse contra a moral e os bons costumes viessem a público. Como boa parte da classe artística era contra o regime, a censura também perseguia qualquer manifestação que criticasse o governo ou fosse considerada propaganda “subversiva”. E sempre que a liberdade de expressão é, de alguma forma ameaçada nos nossos dias, essa época é sempre lembrada como tempos sombrios para a cultura e a imprensa.
Mas isso não impedia que, vez por outra, alguns conseguissem dar um drible nos censores e sacanear o regime em praça pública, em atitudes que hoje a geração Y tranquliamente chamaria de “trollar”. Para a geração Ipod, lembro aqui uns cinco casos nos quais os autores deliberadamente deram uma sacaneada no regime. Ei-los:

Apesar de Você, Ó!
A arte como um todo foi um foco de resistência ideológica, e a censura fazia marcação cerrada em cima da produção artística daqueles considerados “subversivos”. Na música, autores faziam malabarismos metafóricos para, no subtexto, cravar uma estaca nos peitos do regime. Às vezes colava, às vezes não. Um dos mais visados compositores daqueles tempos era Chico Buarque, e o fato de ter seu nome em alguma composição que passava pelo crivo dos censores já era motivo prévio para tacar um carimbo de foda-se censurado. Tanto é que ele chegou a adotar o pseudônimo de Julinho de Adelaide para assinar algumas de suas músicas. Há várias músicas de Chico que fazem referência ao quadro político do país, como “A Rita”, uma corruptela de a dita (dura) que levou seu sorriso e emudeceu seu violão, ou “Cálice”, um trocadilho com “cale-se”. Todavia a melhor que passou foi “Apesar de Você”, um puta desabafo contra o governo Médici, que passou incólume sob a tesoura da censura, mesmo com letra agressiva contra o General Presidente de então. A história que Chico contou é de que a música se referia a um antigo amor, uma mulher muito mandona e autoritária. Quando alguém prestou atenção na letra e percebeu que a “mulher” era o General Médici, o pau comeu e a música foi proibida, mas depois de semanas tocando em tudo que é rádio e com o disco sendo vendido nas lojas. E, apesar de tudo, o amanhã foi outro dia, de fato.

Todos os Olhos
Ainda na música, outra afronta descarada ao sistema que só veio à tona em anos recentes foi o disco de Tom Zé, “Todos os Olhos” , no qual o artista do tropicalismo, juntamente com o poeta Décio Pignatari, resolveram fotografar um brioco em close com uma bola de gude encaixada. Sim, os malucos resolveram por um cu em uma capa de LP para ser exposto ao público em lojas.

Bem, para os que ainda não conhecem, a figura acima é capa do disco em questão, que ficou famosos mais pela capa que por suas músicas, pois em plena vigência do AI-5, o poeta concretista Décio Pignatari resolveu sacanear com a censura e sugeriu que fotografassem uma bola de gude em cima do orifício monossilábico posterior (popularmente conhecido como cu) para servir de capa de disco. A ideia era expor um cu nas lojas para desmoralizar o regime. Tom Zé topou, com certa relutância, até porque quem tem cu tem medo, principalmente nos anos de chumbo. O resultado é o que você deve estar vendo no topo do post. Quando a história veio à tona em an(u)ons recentes, até a revista “Sexy” colocou um apelo para se descobrir quem teria sido a modelo que expôs a sua parte da anatomia onde o sol não bate. Bem, tinha amigo meu que desconfiava que era o “pranóis” de Caetano Veloso
Mas o irônico é que em 2005, em uma matéria na revista “Carta Capital”, uma nova versão, até mesmo desconhecida pelo Tom Zé, veio à tona. Em suma, depois de herCÚleas tentativas de se reproduzir a ideia de Pignatari, as fotos da bola sobre o brioco não ficaram muito fotogênicas, e o fotógrafo acabou preferindo colocar a bola na boca da modelo, tendo um resultado mais satisfatório.
É uma pena, pois caiu um mito dos mais arraigados da MPB. Até o Tom se surpreendeu com a notícia de que o cu era uma boca, no frigir dos ovos. Já o Décio já está cansado de tanto falar nesse bendito butico, que no fim das contas, nem furico era.

A Tonga da Milonga do Kabuletê
Entre as inúmeras parcerias que o poeta e compositor Vinícius de Moraes, a com Toquinho rendeu músicas que se tornaram clássicas da Música popular. Mesmo evitando temas mais espinhosos, vez por outra o poetinha tinha alguma rusga com a censura. Um belo dia a dupla resolveu sacanear com a censura ao inserir um palavrão cabeludo no meio de uma letra bem humorada, porém escrito em dialeto nagô. A sugestão teria vindo da então esposa de Vinícius, Gesse Gessy, que tascou a expressão “a tonga da milonga do kabuletê”, que em bom português significa “os pêlos do cu da mãe”, segundo explicara a esposa baiana do poeta. Como Vinícius tinha certeza que não se ensinava nagô na Academia das Agulhas Negras, mandou ver, e se divertiu ao xingar os milicos sem ser incomodado.


“Eu Quero Mocotó!!”
Mas censor nem sempre era a figura do cão. Como todo bom burocrata e funcionário público, ele estava ali fazendo o seu trabalho. E em muitos casos acabava surgindo alguma amizade entre censores e artistas, e a tesoura acabava pegando leve. A turma do Pasquim se tornou famosa por ludibriar e levar na conversa muitos dos censores que ficavam em sua redação, por vezes à custa de muito uísque Buchanan’s, que acabava “lubrificando” a relação entre censura e um dos semanários mais críticos ao regime. Numa dessas, a censora de plantão, D.Marina, liberou uma reprodução do quadro “O Grito do Ipiranga”, de José Américo, com a frase “Eu Quero Mocotó!” saindo de D.Pedro I. Os militares não gostaram nem um pouco e mandaram a redação inteira para o xilindró durante dois meses. Mas o jornal não deixou de ser editado, pois os colegas da patota do Pasquim se reuniram e tocaram a publicação durante a ausência de seus titulares, e a versão publicada é que todos estavam “acometidos de gripe”. Depois dessa presepada, os editores tinham que ir diretamente a Brasília negociar a liberação das edições seguintes.
Para servir de saideira, uma ótima para ilustrar o nível intelectual daqueles que comandavam a repressão, e mesmo não sendo a intenção dos artistas, expôs ao ridículo as autoridades, que não eram exatamente famosas por sua cultura e inteligência. Em 1965 a peça “Electra” foi encenada no teatro municipal, e a trama chocou os mais conservadores, que chamaram o elenco “aos costumes”, e a polícia ficou doida para prender quem escrevera aquela pouca-vergonha a pedido do DOPS. Claro que ninguém ali percebeu o pequeno detalhe que o texto era uma tragédia grega escrita uns 400 anos antes de Cristo por um tal de Sófocles, coincidentemente  o pai da tragédia grega. E claro que não se poderia perder este mote para se tirar sarro do regime, e a tragédia virou comédia nas mãos de Sérgio Porto e seu FEBEAPÁ – Festival de Besteiras que Assola o País.

Fonte – www.blodega.com

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