BRENO
ALTMAN
Os monopólios da comunicação
exercem pressão para que a corte endosse sua versão e condene a qualquer custo.
Mais que preocupação eleitoral imediata, a batalha se trava para legitimar a
velha mídia, verdadeiro partido das elites
Ao
longo da história, o Supremo Tribunal Federal, além de bons serviços,
prestou-se também a várias ignominias, chancelando a violação de paradigmas
constitucionais.
O
presidente do STF em 1964, Álvaro Moutinho da Costa, foi à posse de Ranieri
Mazzilli na noite do golpe militar, quando o presidente João Goulart ainda se
encontrava em território nacional. A corte responsável pela guarda da Carta
Magna fazia-se avalista de sua ruptura.
Outra
afronta ocorrera quando o Tribunal Superior Eleitoral, em maio de 1947,
cancelou o registro do Partido Comunista. Aceitou alegação de que se tratava de
organização comandada por potência estrangeira, a União Soviética. O STF
indeferiu recurso e afiançou a degola. Deixou-se levar pela mesma intolerância
ideológica com a qual refutou habeas corpus contra a extradição de Olga Benário
Prestes, em 1936, para ser assassinada na Alemanha de Hitler.
Novamente
assistimos, no curso da ação penal 470, publicamente tratada como
"mensalão", poderosa tendência a um julgamento de exceção, em pleno
regime democrático.
Os
monopólios da comunicação exercem pressão para que a corte endosse sua versão e
condene a qualquer custo. Mais que preocupação eleitoral imediata, a batalha se
trava para legitimar a velha mídia, verdadeiro partido das elites, como senhora
da opinião pública, além de impor gravame ético ao PT e ao governo Lula.
Apesar da
resistência de alguns juízes, vem à baila comportamento que remonta a práticas
inquisitoriais. Jurisprudências estão sendo alteradas por novas interpretações.
Magistrados que absolveram o ex-presidente Fernando Collor da denúncia de
corrupção passiva, inexistindo ato de ofício, agora apregoam que essa já não é
exigência seminal.
Fala-se
abertamente em "flexibilização de provas", eufemismo para que
condenações possam ser emitidas a despeito da materialidade dos fatos, ampliando
de forma quase ilimitada a subjetividade de opinião dos que têm o dever de
julgar.
Também
apela-se à tese de "domínio funcional do fato". Por esse conceito,
pode-se condenar sem provas cabais de autoria, bastando que o cargo do réu,
mais evidências latu sensu, corrobore ilação de responsabilidade, na prática
eliminando a presunção de inocência.
Essa
novidade suscita curiosa comparação. Nos idos de 1933, em Berlim, foi
incendiada a sede do parlamento alemão, o Reichstag. Os nazistas, no poder,
prontamente acusaram os comunistas. A polícia prendeu o holandês Marinus Van
Der Lubbe e três búlgaros pertencentes aos quadros da Internacional Comunista.
Entre eles, Georgi Dimitrov, um dos dirigentes máximos da organização.
Os réus
foram julgados por uma das câmaras criminais da Suprema Corte, localizada em
Leipzig e presidida pelo juiz Wilhelm Bürger. Apenas Van Der Lubbe acabou
condenado, à pena de morte.
Apesar de
estar convencido de que se tratava de conspiração comunista e da função de
Dimitrov, o magistrado considerou que não havia prova contundente que o
ligasse, ou a qualquer de seus companheiros, salvo o holandês, à execução do
delito concreto.
O
processo de Leipzig, embora outras as circunstâncias, impôs fronteira
doutrinária para os direitos constitucionais. O STF, ao decidir sobre a ação
penal 470, escolherá o lado no qual deseja escrever esse capítulo de sua
conturbada história.
BRENO
ALTMAN, 50, é
jornalista e diretor editorial do site "Opera Mundi" e da revista
"Samuel"
Fonte – Brasil247
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