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A
aposta da Globo
O primeiro nome nacional a dar impulso à
candidatura Fernando Collor foi Chacrinha. Tendo passado a mocidade no Rio de
Janeiro, Collor tornou-se amigo de Leleco, filho de Chacrinha. Ganhou espaço no
programa o Cassino do Chacrinha para vender a imagem de “caçador de marajás”.
Embora filho de um amigo e ex-sócio de Roberto
Marinho – o ex-senador Arnon de Mello –Collor não foi adotado de imediato pelas
Organizações Globo.
Havia um foco na ação de Marinho: impedir a
eleição de Lula. Depois, apostar no cavalo vencedor. Em determinado momento,
parecia ser Guilherme Afif Domingos. Depois, mudou para Mário Covas que
triturou Afif no debate da Rede Bandeirantes.
Para celebrar o acordo com Covas, houve famosa
reunião no Rio, em que Covas e assessores encontraram-se com Roberto Marinho e
seu ghost writter, Jorge Serpa. Um dos assessores de Covas –o jornalista
Nirlando Beirão – preparou um artigo que seria publicado no jornal O Globo e
repercutido no Jornal Nacional. Serpa ponderou que faltava o “lide”, a abertura
de impacto capaz de marcar a campanha de Covas. E sugeriu o tal “choque de
capitalismo”. Acabou colidindo com a imagem de Covas na Constituinte e foi
enorme tiro na água.
Mas Serpa estava correto em relação à
ideia-força da campanha.
Só depois que se consolidou como adversário de
Lula, Collor recebeu as bênçãos de Robert Marinho. Mas chegou aos 25 pontos do
IBOPE por pura intuição, alicerçada nas análises de Marcos Coimbra, filho de um
diplomata casado com uma irmã de Collor.
A
intuição política
Seu pai, Arnon de Mello, alagoano, tornou-se
jornalista conhecido dos Diários Associados. É dele a reportagem clássica do
encontro de Poços de Caldas entre Getúlio e os governadores, que resultou no
Estado Novo.
Os contatos com o mundo de Getulio Vargas se
abriram depois que Arnon conheceu dona Leda Collor, filha do Almirante Souza e
Silva. Viúva, a mãe casou-se com Lindolfo Collor, Ministro de Vargas, que
educou e emprestou seu nome às filhas. Eram duas irmãs de temperamento
fortíssimo. Mulher independente, estudou na Universidade do Brasil e teve
presença marcante na vida dos filhos.
Collor foi criado no Rio, Maceió e em Brasília.
Tornou-se governador de Alagoas e pavimentou a fase inicial da sua campanha com
recursos levantados em um polêmico perdão de dívida de usineiros do estado.
A primeira vez que soube de Collor foi através
de seu irmão Leopoldo, que havia sido diretor comercial da sucursal paulista da
TV Globo, demitido em um episódio rumoroso e, depois, transferira-se para a TV
Manchete. Na época eu estava com o programa “Dinheiro Vivo”, da TV Gazeta,
depois de afastado da Folha por uma negociação entre o presidente José Sarney e
o consultor geral Saulo Ramos com seu Frias.
Na Gazeta, batia diariamente em Sarney. Leopoldo
me procurou dizendo que deveria aderir à candidatura do irmão. Foi em um
almoço. Collor estava, então, com 5% dos votos mas Leopoldo garantiu que ele
seria eleito presidente. Falou de sua performance como “caçador de marajás”.
Perguntei quem já havia aderido a ele. Respondeu-me que o polêmico apresentador
Ferreira Neto. Agradeci o almoço e recusei o convite para aderir a Collor.
Minha primeira impressão, a partir desse almoço, é que todos os aventureiros da
República estavam aderindo a Collor.
Mas sua intuição política foi genial. O país
saía do regime militar, pesadíssimo, burocrático, com a economia amarrada.
Depois, passara pelo vexame do governo Sarney. Ele captou, de pronto, as novas
tendências mundiais, expressas no tactherismo e, internamente, a resistência
nacional contra Sarney e contra Brasília – já expressa na Constituição de 1988.
Finalmente, a percepção da força dos “descamisados”, a massa de eleitores que o
elegeria e, depois, ajudaria na eleição de Lula.
Naquela campanha, Collor intuíra as duas
principais ideias-força que comandariam a política brasileira nas décadas
seguintes: a redução do peso do Estado (e do predomínio de Brasília) e a
ascensão futura das grandes massas de eleitores. Intuição de gênio; operação
política de amador.
As
equipes de Collor
Sua equipe de assessores era de dar pena. A
começar da responsável por seu programa de governo, Zélia Cardoso de Mello.
Mensalmente tínhamos almoço com clientes da
Dinheiro Vivo para discutir conjuntura. No início da campanha convidei Zélia e
Affonso Celso Pastore para uma exposição. Pastore expôs com o habitual
brilhantismo. Zélia foi um vexame tão grande que fiquei com receio de que
Pastore a desancasse. Ele se comportou cavalheirescamente.
Noutra vez, houve um evento da Anoro (Associação
Nacional do Ouro) com representantes dos candidatos, para saber o que pensavam
do mercado do ouro – na época, o mercado do ouro era a maneira de exercitar um
arremedo de câmbio livre, impossível no câmbio oficial. O PT enviou como
representante Carlos Eduardo, economista da PUC-SP que escrevia excelentes
capas para a newsletter Guia Financeiro, da Dinheiro Vivo. A campanha de Collor
enviou um economista da FGV-SP, sem o menor conhecimento da matéria. Carlos
Eduardo apresentou um quadro tecnicamente correto do mercado. O economista da
campanha de Collor falou sobre a poluição de mercúrio no garimpo de ouro. Foi
um vexame amplo.
O episódio da Mirian Cordeiro provocou em mim
uma repulsa ampla em relação aos métodos do candidato e ao lado mais obscuro da
sua equipe: os irmãos Gilberto Miranda e Egberto Baptista, de larga influência.
No primeiro turno, votei em Mário Covas. Quando
houve o episódio, bati pesado no meu programa, apesar da maioria absoluta do
público telespectador ser anti-Lula. A partir dali torci tanto por Lula que
devo ter sido o único comentarista a entender que ele venceu o famoso debate da
Globo. Mesmo descontado a edição do Jornal Nacional, Collor se saiu melhor.
Lula havia se excedido na campanha nos dias anteriores e chegou ao debate em
pedaços, irreconhecível.
E foi essa implicância extrema que não me
permitiu entender a abrangência de seu discurso de posse, preparado pelo
filósofo José Guilherme Merquior. Foi um divisor de águas para o país, lançando
as bases para o modelo que vigoraria, amplamente, nos dois governos FHC –
embora, com sua suposta erudição, FHC não tivesse entendido um décimo do que
Collor e, depois, Lula, entenderam sobre o país.
A visão de Brasil, de Collor, era imensamente
mais objetiva que a de FHC. Disso só me dei conta algum tempo depois.
Collor chegou a Brasília sem equipe própria.
Levou meia dúzia de alagoanos deslumbrados, um grupo de assessores de terceira
categoria, arregimentados por Zélia e os barra-pesadas coordenados por Egberto
Baptista. E a influência grosseira de Paulo César Farias.
Mas havia um outro grupo, de economistas e
funcionários públicos – sobre os quais falarei mais adiante – que era o menos
ostensivo, mas que teve papel central em mudanças fundamentais no estilo de
governo, dali para diante. Foi a parte mais legítima e a menos conhecida de seu
governo.
A falta de quadros, o parco conhecimento de
Collor sobre quadros técnicos fê-lo cometer loucuras. Uma delas foi criar um
superministério – o Ministério da Infraestrutura – entregando-o a João Santana.
Até então, o trabalho mais conhecido de João
tinha sido o de assessor pessoal do ex-Ministro Dílson Funaro, depois que ele
deixou o poder. Era um meninão, na idade e na cabeça. Na época frequentávamos o
Bar Brasil, perto da Avenida Paulista. Santana fazia parte do grupo e era
motivo de chacota: cada vez que arrumava uma namorada nova, deslumbrava-se.
Pois para ele Collor deu a incumbência da
reforma administrativa. Foi um desastre amplo, um desmonte sem pé nem cabeça
que comprometeu, inclusive, o Censo Demográfico de 1990.
No Ministério da Infraestrutura, Santana foi
responsável pela primeira licitação de telefones celulares para a Telesp – na
época estatal. Montou um arremedo de licitação escandaloso. Haveria uma
pré-licitação que escolheria três fornecedores de equipamentos. Depois, caberia
a ele dar a palavra final.
De volta à Folha, fiz uma crítica pesada ao
modelo. Ele me chamou a Brasília. Entrei em seu gabinete e ele estendeu uma
minuta de licitação. Perguntei para que aquilo. Disse que era para eu analisar
e fazer a crítica. Disse-lhe que estava brincando. Ele que divulgasse a minuta
e eu iria ouvir especialistas para escrever sobre ela.
Era esse o nível de amadorismo.
Para sua equipe pessoal, Zélia levou um grande
economista, Ibrahim Eris, que assumiu a presidência do Banco Central. E levou
escudeiros complicados.
Há pelo menos dois episódios nebulosos
similares, envolvendo Zélia, um que mereceu algum destaque, outro que passou em
branco. O que recebeu destaque foi a acusação de que cobrara da Associação
Nacional do Transporte Rodoviário para liberar reajuste de tarifas para as
linhas intermunicipais. O que nunca mereceu destaque – e que me foi relatado
pelo comandante Rolim, da TAM, pouco antes de morrer – foi a cobrança idêntica
feita às companhias de aviação.
Fonte
– Blog do Nassif
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