10 de setembro de 2012

Astor Piazzolla - 20 anos sem o mestre



Por Moziel T. Monk

Em uma de suas apresentações no Brasil, Astor Piazzolla teve em seu público um nome famoso: o poeta e diplomata Vinícius de Morais. Com seu jeito bem peculiar, o poetinha estava extasiado com a música do mestre do bandoleon. E exclamava sem pudor ou cerimônia “Filho da puta!” diversas vezes ao longo do show. Depois no camarim, os dois se encontraram e Vinícius explicou que o “filho da puta” que ele estava chamando era por que ele tocava muito, e era elogioso, não pejorativo. Bem, o poeta era ele, e as palavras nas mãos dos poetas são distorcidas e assumem novo significado. Se para Vinícius “filho da puta”, naquele contexto era um elogio, então deveria sr sinônimo de “sublime”, já que é o mínimo que se pode falar sobre a obra de Astor Piazzolla, o artista que revolucionou o tango e que deixou este mundo em 4 de julho de 1992.
Origem do Tango
O Tango é uma música que, como o Blues e o Jazz, teve sua origem nas camadas mais pobres da sociedade, no caso a sociedade portenha na segunda metade do século XIX. Originalmente tocada na região do cais de Buenos Aires, passou a se espalhar pelos bairros mais pobres e ser associada à malandragem local. Mas as décadas seguintes tornaram o tango um símbolo de Buenos Aires e motivo de orgulho nacional. Certamente seu maior e mais famoso representante foi Carlos Gardel.
Astor Pantaleon Piazzolla Manetti nasceu em 11 de março de 1921 em Mar Del Plata, na efervescência do ritmo portenho. Seus pais eram descendentes de imigrantes italianos, Astor dividiria seu tempo de infância entre New York e Buenos Aires. Sua infância foi pobre e cheia de dificuldades (ele precisou passar por um doloroso tratamento no pé direito). Seu pai sempre o incentivou a ser músico, e o garoto já tocava piano quando seu pai lhe presenteou com algo que mudaria sua vida: um bandoleon. A partir desse presente, o garoto se decidiu pelo instrumento e pelo ritmo. Nas suas palavras: “Se ele tivesse me dado um sax eu teria feito Jazz. Mas foi o Tango”.

Ainda adolescente, ele conhece o ídolo Carlos Gardel, faz uma pequena ponta no filme “El Dia em Que Me Quieras” e passa a acompanhar o “tanguero” em pequenas apresentações como solista de bandoleon. Mas seu diferencial já aparecia, pois Gardel o advertia de que ele tocava “como um galego”. Isso refletia as formações eruditas e barrocas do jovem, que já influenciava sua música. Nos anos 40, ao voltar a Buenos Aires, ele encontra a cidade sob o auge do tango tocado por orquestras típicas. Ele ingressa na orquestra de Aníbal Carmelo Troilo, e seus arranjos ousados já chamam a atenção. Ele monta sua própria orquestra típica em 1946, e toma contato com conceituados músicos eruditos, como Arthur Rubinstein, Alberto Ginastera e Juan José Castro. Este último incentiva o jovem a inscrever suas composições em um concurso de música. Ele ganha tal concurso, o prêmio Fabien Sevitzky, e também ganha uma bolsa de um ano do governo francês, e em 1952 ele viaja com sua esposa para Paris, onde tomou aulas com a renomada Nadia Boulanger, que lhe influencia a estudar as fugas e contrapontos de Bach. Segundo confidenciou Piazzolla, ela teria lhe dito, ao escutá-lo executar uma de suas composições, “Jamais abandone essa música. Essa é sua música, é aqui que está Piazzolla”. Ele descrevera este momento como uma epifania.
O Tango Renasce
Ao voltar para Buenos Aires, na segunda metade da década de 50, ele já tem em mente os conceitos do que seria chamado de “Tango Novo”, e monta seu Octeto Buenos Aires. A formação dos músicos, os arranjos jazzísticos e outras ousadias, como a introdução da guitarra, arrepiaram os cabelos dos tangueros tradicionais, que criticavam seu trabalho ao ponto de alegarem que sua música não era Tango. E a atitude de Astor provavelmente enfurecesse mais ainda seus críticos. Ele costumava dizer que sua música era para os ouvidos, e não para os seus pés, costumava se vestir informalmente nas apresentações, e brandia seu instrumento em pé, ao contrário do tradicional, que seria sentado. Para se ter uma idéia da comoção causada entre os músicos mais tradicionais, um deles chegou a invadir, armado de revólver, um estúdio de rádio onde Piazzolla concedia entrevista.
É nos anos 60 que ele compõe aquela que seria sua mais conhecida música: “Adiós Nonino”, uma singela homenagem ao seu pai, uma elegia de dor e tristeza. Nessa época ele passa a se apresentar com a formação de quinteto. Outros sucessos se seguiram, como “Milonga Del Angel”, “Decarissimo”, “Años de Soledad” (um belo dueto com o saxofone de Gerry Mulligan), “Tristeza de um Doble A” (referência a marca de Bandoleon preferida dos argentinos), “Fuga y Mistério”, “Suíte Punta Del Este”, entre centenas de composições, em sua grande maioria apenas instrumentais. Mas havia canções também, como “Balada para um Loco”, uma entre as várias colaborações com o poeta Horacio Ferrer, além dos poemas de Jorge Luis Borges que ele musicou. Muitas de suas músicas foram produzidas para trilhas sonoras, também.
Tão pouco compreendido em seu país, Astor viajou mundo afora apresentando suas composições e encantando a todos. A América e a Europa são agraciadas com suas apresentações. Paris adotou o filho pródigo, e lá Piazzolla realizou os famosos encontros “Les Trottoirs de Buenos Aires”. Em New York teve o privilégio de se apresentar no Philarmonic Hall. E no Brasil sempre teve bom trânsito, tanto entre o público quanto entre os artistas locais. Ironicamente, é bem provável que os brasileiros tenham gostado mais dele do que seus próprios patrícios. Inclusive há uma anedota envolvendo o produtor Miéle, que acabou ajudando a divulgar o nome de Piazzolla no fim dos anos 50 por um acaso do destino, pois após ajudar uns turistas argentinos, Miéle pede que estes o enviem o último disco de Piazzolla. Daí que, sabe Deus o porquê, eles enviam uma caixa com vinte LP’s a Miéle, que distribuiu-os entre seus colegas jornalistas e músicos, e o nome de Piazzolla ficou tão conhecido que, em pouco tempo, ele veio tocar no Brasil e agradecer pessoalmente ao seu “relações-públicas”.
Apesar dos tradicionalistas tangueros renegarem o tango de Piazzolla, este nunca abandonou suas raízes, e sim deu um sopro de ar fresco ao gênero, introduzindo elementos do jazz e de música erudita. O resultado é uma música tecnicamente impecável e visceralmente emocional. “O tango nunca será alegre, quando percebo que a platéia chora, fico contente”, dizia o mestre. E é difícil segurar a emoção ao se ouvir “Adios Nonino”, Mort ou Prelúdio Nº 9.
Nos últimos anos de atividade, Piazzolla passou a se apresentar como solista acompanhado por uma orquestra sinfônica, e eventualmente com um quinteto de bandoleon, guitarra, violoncelo, contrabaixo e piano. Sua última apresentação ao vivo ocorreu em novembro de 1989, em Lausanne. Nove meses depois ele teria um derrame e entraria em coma, e em 4 de julho de 1992 viria a falecer em Buenos Aires, aos 71 anos de idade.
O Legado de um Gênio
Piazzolla gravou dezenas de discos ao longo de sua vida. Caso você tenha que ter pelo menos um disco de Piazzolla, uma boa dica é a gravação da sua última apresentação ao vivo. “Astor Piazzolla – Tango, Nuevo Tango”, lançado pela Kuarup, é um bom retrato da trajetória de Piazzolla. Obviamente não é completo, mas lá tem uma das melhores interpretações de “Adiós Nonino” e “Milonga Del Angel”. Há muito de seu acervo hoje disponível em CD, além de outros instrumentistas e orquestras que prestam tributo ao legado portenho. Sua música transcendeu sua terra e seu tempo.E ainda desperta paixões, entre músicos de diversos gêneros. Músicos que acompanharam o maestro, como Daniel Binelli ou Fernando Suaréz Paz, já gravaram obras em homenagem ao argentino. O violoncelista Yo-Yo Ma, os pianistas Daniel Barenboim e Arthur Moreira Lima, o violinista russo Gidon Kremer e, o quarteto de cordas Kronos. E entre os músicos brasileiros não foi diferente, pois o público brasileiro nunca teve nenhuma exigência quanto à fidelidade ao tango tradicional, daí soube aproveitar ao máximo a obra de Piazzolla. E também soube retribuir. O espetáculo “Piazzolando” rendeu dois discos (um ao vivo e um em estúdio) reunindo músicos brasileiros, como Egberto Gismonti, Jacques Morelembaum, Chiquinho do Acordeon e Lilian Barreto. O quinteto de cordas da Paraíba interpretou músicas de Piazzolla no disco “Armorial e Piazzolla”, como também o Quarteto Amazônia. Enfim, Piazzolla será lembrado ao lado dos grandes músicos. Sua música se tornou universal.

Fonte – www.blodega.com

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