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O ex-consultor de João Goulart e ex-Ministro de Lula Waldir Pires. (ag. brasil |
Nesta quinta-feira, 20, seis partidos de sustentação do
governo Dilma (PT, PMDB, PSB, PDT, PC do B e PRB), em nota pública, acusaram a
oposição de estar "disposta a qualquer aventura" e a "práticas
golpistas". Segundo a nota, "em defesa da honra e dignidade" do
ex-presidente Lula, assinada pelos presidentes dos seis partidos, "assim
foi em 1954, quando inventaram um 'mar de lama' para afastar Getúlio
Vargas" e "assim foi em 1964, quando derrubaram Jango para levar o
País a uma ditadura de 21 anos". Para uma reflexão sobre o momento, e o
passado, Terra Magazine foi ouvir alguém com idade, história e
autoridade para tanto.
Entre os dias 31 de Março e 1 de Abril de 1964, um golpe
militar derrubou o governo João Goulart, o Jango. Dois funcionários foram os
últimos a deixar o Palácio do Planalto depois do golpe. Um deles, o chefe
da Casa Civil, Darcy Ribeiro. O outro, o Consultor-Geral da República, Waldir
Pires. Ex-secretário de Estado, deputado estadual e federal, governador e
senador, criador da Controladoria-Geral da União e ex-ministro da Defesa no
governo Lula, Waldir Pires, aos 85 anos, é candidato a vereador pelo PT em
Salvador. Na conversa que se segue, Waldir Pires discorre sobre o que já viveu
e as relações ou semelhanças com o momento. Em um trecho da conversa, o ex-
ministro da Defesa diz:
- Vamos ser claros: a oposição quer fazer com Lula o mesmo
que fez com Getúlio Vargas e com Jango…até as expressões que usam são as
mesmas, "mar de lama" é uma delas…
Em outro momento, avança:
- Eu já vi e vivi esse filme antes, e há amarras
extraordinariamente suspeitas em tudo isso… o cheiro é o mesmo…
Abaixo, a entrevista.
Terra Magazine: Onde o senhor estava no dia do golpe
que levou à ditadura em 1964?
Waldir Pires: Em Brasília, no Palácio
do Planalto. Eu era o Consultor Geral da República… eu e o Darcy Ribeiro, Chefe
da Casa Civil, fomos os últimos a deixar o Palácio quando derrubaram o
presidente João Goulart, o Jango..
Seis partidos, PT, PMDB, PSB, PDT, PC do B e PRB,
todos de sustentação ao governo Dilma, assinaram e lançaram uma nota pública.
Nesta nota, acusam os partidos de oposição, PSDB, DEM e PPS, de estarem
"dispostos a qualquer aventura" e de "não hesitarem em práticas
golpistas". O documento é apresentado em defesa "da honra e
dignidade" do ex-presidente Lula…
…sim, eu tomei conhecimento da nota…
Como o senhor, aos 85 anos, tendo vivido o que já
viveu e viu, vê esse momento?
Me parece evidente que a oposição, ao menos setores da
oposição, estão agindo em relação ao ex-presidente Lula como um dia agiram em
relação a Getúlio Vargas e João Goulart…
O senhor diria que já viu esse filme antes ou isso é
um exagero dessa nota dos seis partidos?
Eu já vi e vivi esse filme antes, e há amarras
extraordinariamente suspeitas em tudo isso…o cheiro é o mesmo…
Em que termos o senhor faz essa comparação?
Vamos ser claros: a oposição quer fazer com Lula o mesmo que
fez com Getúlio Vargas e com Jango…até as expressões que usam são as mesmas,
"mar de lama" é uma delas…
Mas não existiriam outros fatores objetivos no
discurso da oposição? Assim como existem fatos que são objetos das críticas e
denúncias e até do julgamento no Supremo…
Existem razões e fatos, mas o Brasil tem instituições
funcionando e que são capazes de examinar os fatos sem que seja preciso pressão
e a criação de um ambiente artificial. E diga-se que instituições fortalecidas
exatamente durante os dois mandatos do governo Lula. Eu mesmo fui
ministro-chefe da Controladoria-Geral da União que não existia até Lula. O
governo Fernando Henrique tinha uma Corregedoria…
E qual a diferença?
A Controladoria fiscaliza e dá absoluta transparência a
todos os gastos federais, está tudo na internet, cada centavo dos bilhões
gastos pelo governo federal está no site. E mais. Tudo isso numa ação
coordenada com o Ministério Público, no plano federal e nos Estados, com o
Coaf, a Receita Federal, Polícia Federal…ora, quando falam no resultado disso,
do aprofundamento das investigações nos casos de corrupção, como esquecem de dizer
que isso, que essa coordenação de esforços, é obra exatamente dos governos de
Lula e agora de Dilma?
Mas…
…a montagem dessa teia de acessos às
informações e absoluta transparência, que leva a sociedade a ter acesso às
informações, é obra de Lula, do governo Lula. Como é possível ignorar isso,
esconder essa informação enquanto, ao mesmo tempo, se valem das informações que
esse sistema coordenado de fiscalização e transparência permite obter?
Isso foi decisão pessoal dele ou foi acontecendo?
Decisão pessoal dele. Quando o presidente me convidou para o
Ministério da Defesa me preocupei se poderia haver alguma modificação na
atuação da Controladoria…o presidente Lula não apenas me garantiu que não como
manteve minha equipe, e Jorge Hage está até hoje à frente da equipe com
resultados e um trabalho que não apenas o Brasil reconhece. A ONU, a OEA e
outros organismos internacionais já reconheceram e deram destaque a esse
trabalho modernizador no setor de controle e transparência de informações…
Voltemos ao momento…
Vejo esse momento com preocupação, com inquietação. É um
erro, e mais do que isso, não condiz com a verdade esse ambiente de que vivemos
num "mar de lama", que há "corrupção generalizada" desde o
governo Lula…
Por que um erro?
Porque nossas instituições democráticas ainda são
frágeis…porque isso não é verdade…a transparência, o acesso às informações, a
atuação do Ministério Público, da Polícia Federal, a atuação conjunta nos
últimos anos e os resultados disso mostram que esse ambiente desejado por
certos setores é irreal, não é verdadeiro…o que há é que agora, depois de
séculos, as informações, pela primeira vez na história, vêm a público…
O que lhe preocupa?
Me preocupa… há uma tendência nos últimos anos…os setores
conservadores, ao invés de articularem golpes militares, agora dão golpes
parlamentares… como se viu em Honduras, como se viu há pouco no Paraguai, e
isso é precedido pela fomentação de um ambiente adequado para esses golpes
parlamentares…
O que o senhor, objetivamente, detecta nessa
"ambientação"…
A generalização, o procurar atingir os adversários a esse
nível que estão fazendo e como estão fazendo ao invés do enfrentamento político
democrático, enfrentamento com críticas duras, críticas e denúncias severas e
tudo o mais, mas não com a criação de um ambiente artificial, e ainda mais
quando isso parte dos setores de onde isso tem partido…
Ou seja…
Setores com figuras, instituições que construíram fortunas
incalculáveis, que estão aí, e sem que nada ou quase nada fosse dito ou
apurado… alguns desses personagens até já se foram e deixaram fortunas, até
porque não existiam os mecanismos de fiscalização e transparência de agora, mas
outros, bem mais recentes, estão por aí…como é possível querer que se acredite
que a "corrupção nasceu ou cresceu" nos últimos anos, se foi
exatamente nos governos de Lula e Dilma que iniciou o combate verdadeiro e
eficaz, combate articulado e com o resultados que se conhece…isso é irreal e é
uma farsa…
Por que irreal e…
É irreal fazer de conta que a corrupção é algo apenas
"atual", é irreal fazer de conta que não se conhece os fatos
conhecidos, do passado distante e também do passado recente… é uma farsa
desconhecer a história do mundo e do Brasil, e desconhecer o combate que vem
sendo travado exatamente desde a consolidação de todos esses mecanismos de
controle e transparência… A corrupção existe, ninguém está negando isso, mas
existem mecanismos de controle e eles estão funcionando…
O senhor sabe que tentarão desqualificar, rotular suas
observações…
Certamente, isso é parte desse processo todo…
Que papel a mídia tem e deveria ter diante disso?
Como o senhor percebe a atuação da mídia?
O papel é o de dizer como as coisas realmente são e foram,
dizer quais são os fatos verdadeiros…e por isso vejo com preocupação a atuação
de certos setores…
Que setores?
Os setores conservadores. Há certas coisas muito parecidas,
inclusive a expressão "mar de lama", com a coisa terrível que a
oposição fez com Getúlio… tentam fazer o que fizeram com Getúlio e depois com
João Goulart, e tudo isso para impedir os avanços, querem, com Lula ou sem
Lula, interromper os avanços do processo democrático, e o verdadeiro avanço se
deu com a inclusão social. Esse é o avanço. Democracia é também, mas não
apenas, o compromisso de liberdades formais. Democracia é, foi a inclusão
social de 40 milhões de brasileiros que acontece desde Lula, e esse é o grande
incômodo dos setores conservadores. Se a oposição quer vencer, que tenha um ideário
e busque votos.
Quanto à imprensa, à mídia, o senhor pode ser mais
específico quanto ao que pensa?
Eu era ministro da Defesa no governo Lula e fui a um
programa de televisão para ser entrevistado. Por três ou quatro vezes o
apresentador, que me recebeu de maneira muito gentil, repetiu "mas que
vergonha o mensalão, hein?", "mas que surpresa um mensalão". Na
quarta vez, respondi: "Mas como surpresa com um mensalão? Você não se
lembra do 'mensalão' do IBAD, aquele que terminou em CPI em 1962?". Aquilo
era uma trama, uma articulação e preparação para um golpe de estado (NR:
Instituto Brasileiro de Ação Democrática. Financiado por setores do
empresariado e pela agência norte-americana CIA, o IBAD teve como objetivo
financiar a eleição de opositores ao governo João Goulart e também setores da
mídia. Por decisão judicial, o IBAD foi fechado em 1963). Se querem usar a
expressão "mensalão", como ignorar tantos mensalões da história do
Brasil, inclusive os bem mais recentes? Se falam em "mensalão", como
se esquecem que isso de agora veio de Minas Gerais, e do PSDB?
O senhor já foi secretário estadual, deputado
estadual e federal, consultor-geral da República, ministro, governador, o
ministro que criou a Controladoria-Geral da União, foi exilado por seis anos e
agora é candidato a vereador pelo PT em Salvador, aos 85 anos. Por quê?
Por dever de gratidão. Dever de consciência, por ver minha
cidade maltratada, a administração pública indiferente e sem nenhum projeto
consistente para seu desenvolvimento, submetida a um processo de corrosão moral
que a todos causa indignação. Porque não há como olhar para o espelho e admitir
para si mesmo não participar das grandes preocupações. As capitais, a nossa
capital, são ou deveriam ser um núcleo de organização da vida, de inclusão
social… Salvador foi a cidade onde conheci o mar. Isso já é muito…
Fonte - Terramagazine
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