Os queixosos contribuintes brasileiros, apoiados
pela "grande" imprensa, deveriam mirar-se no exemplo da França, da
Alemanha, da Suécia... Até dos EUA
Por
Claudio Bernabucci
Alguns ingratos brasileiros consideram
impiedosamente que a chamada “grande” imprensa e a tevê nacional são afetadas
pela ausência de pluralismo e por atitudes de descriminação racial. Em
particular, os três principais jornais do País expressariam exclusivamente “um
pensamento de direita”, ou seja, conservador ou reacionário.
Este colunista não pode deixar de compartilhar
as perplexidades de tais minorias inquietas. De fato, encontro dificuldade em
adquirir informação imparcial sobre a realidade nacional através das principais
mídias, as quais tendem à exaltação de notícias que interessam aos próprios
donos e chegam ao obscurantismo de censurar as que são incômodas à categoria. Mas,
ao contrário dos detratores indômitos, devo confessar sincero reconhecimento ao
maior jornal do Rio de Janeiro, por ser fonte inesgotável de inspiração para as
minhas colunas quinzenais.
Em temporada de declaração de renda, por exemplo, ouvir em bares
e botequins conversas estapafúrdias sobre a insuportável carga do Fisco, é
quase normal no mundo inteiro. Em geral, para os alterados fregueses, sejam
alemães ou argentinos, o Fisco pior é sempre o próprio. Mas no Brasil
constatamos maior originalidade: é possível ler comentários similares na
“grande” imprensa. É o que me aconteceu dias atrás ao folhear O Globo: uma
ampla crônica escrita por badalada comentarista foi dedicada a descrever o
“desgosto” por ter de declarar o Imposto de Renda, descrito, com riqueza de
detalhes, como “pior que um assalto”. Depois de minuciosos paralelos com
bandidagem comum e agudas descrições psicossomáticas da “violência que
praticamos contra nós mesmos” ao preencher o IR, chega-se às inevitáveis
queixas sobre os péssimos serviços e as roubalheiras públicas (neste aspeto,
concordamos, é óbvio). As conclusões da crônica, não particularmente originais,
são que no Brasil se pagam “impostos suecos por serviços dignos do
Afeganistão”. Com toda franqueza, fosse eu afegão, ficaria ofendido, mas, como
observador internacional, limito-me a algumas observações críticas sobre o que
li.
Difundir na opinião pública ideias e sentimentos
tão radicalmente hostis ao difícil dever cívico de pagar impostos é fato muito
grave em si, em qualquer parte do mundo, e prescinde de qualquer atenuante:
estimula egoísmo e incivilidade. Tal atitude é, sobretudo, lastimável da parte
de quem pertence à classe privilegiada brasileira, ou seja, aquela que paga
menos impostos do que os outros.
A carga tributária, ou seja, a relação porcentual entre o somatório de
todos os impostos e a riqueza produzida por um país, é no Brasil muito menor
que em outras economias de destaque. Em 2012, foi de 36%, mas na Europa tal
relação transita hoje tranquilamente acima de 40%, tocando 45% na França e 46%
na Alemanha, até chegar a 55% no caso da Suécia, citada pelo O Globo na
ridícula comparação com o Brasil. Na potência econômica onde aparentemente se
pagam menos impostos, os EUA, com carga tributária de 28%, é preciso aperfeiçoar
a análise para evidenciar outro dado importante: a contribuição fiscal per
capita. Assim, se constatará que cada cidadão americano paga, em média, 13.550
dólares de impostos ao ano, quando o brasileiro se limita a 4.000.
É notório, enfim, que a taxação progressiva e direta constitui
elemento de equidade democrática e redistribuição de renda. O Brasil, ao
contrário, é um dos países com os impostos mais regressivos do mundo, ou seja,
onde os pobres, através dos prevalentes impostos indiretos (no consumo e
produção), pagam muito mais do que os ricos. Qualquer jornalista de média
cultura deveria conhecer essa realidade e o fato de ignorá-la explica-se só com
grande ignorância ou profundo preconceito. No caso dos donos do poder, não:
trata-se de pura má-fé.
O Estado brasileiro é patentemente refém desses
patrões, que, controlando o Parlamento, impedem qualquer reforma fiscal
mais equilibrada e democratizante. Como se sabe, o destinatário dos impostos é
o Estado e não o governo vigente, como a comentarista carioca afirma
levianamente. Parafraseando-a, vem espontâneo o comentário de que certos
brasileiros pretenderiam serviços públicos franceses pagando impostos de
república bananeira.
Então, fique claro: os verdadeiros assaltantes do bem-estar social são os
ricos, em prejuízo dos pobres.
Blog do Nassif
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