Por Paulo Moreira
Leite
Aos poucos, Joaquim Barbosa autoriza o país a identificar
um estilo político.
Sabendo do risco de ser adorado pelos conservadores,
que tentam enfeitá-lo com o mito de “menino pobre que mudou o Brasil”, agora
reproduzido até pela revista Time (se houve tal “menino pobre” nós sabemos quem
ele é, como se chama, de onde veio e o que fez, certo?),
Joaquim achou necessário colocar-se como pessoa
de esquerda.
Apenas por isso declarou que a imprensa brasileira é
de “direita”.
Tempos atrás, fez questão de revelar seu voto em Lula
e Dilma, lembram?
Sempre de olho no povão, xingou o Congresso e disse
que temos partidos de mentirinha. Como isso é sempre chato e incomoda quem lê
jornais, mandou dizer que falou como acadêmico.
O método de Joaquim Barbosa para construir seu próprio
mito político já é conhecido. Consiste em quebrar regras de convívio
democrático e respeito entre instituições. Depois, dá uma volta sobre o próprio
passo.
Quem procura, de uns tempos para cá, conseguir um
lugar na turma do gargarejo finge que não vê a coerência em determinados
movimentos apenas porque são duplos.
Joaquim disse em tom de crítica:
“O Congresso não foi criado para única e
exclusivamente deliberar sobre o Poder Executivo. Cabe a ele a iniciativa da
lei. Temos um órgão de representação que não exerce em sua plenitude o poder
que a Constituição lhe atribui, que é o poder de legislar.”
Sob a presidência de Joaquim, o Supremo inaugurou uma
fase na qual tem feito o possível para diminuir o Congresso e interferir em sua
atividade.
O Congresso tentou legislar sobre royalties do
petróleo. Foi impedido pelo Supremo. Tentou regulamentar a distribuição de
verbas públicas e tempo na TV para partidos políticos – Gilmar Mendes assinou
uma liminar. O Congresso quer resolver o que fazer com o mandato de deputados
condenados no mensalão, como diz a Constituição. O Supremo manda cassar de
qualquer maneira.
Já aposentado, o ex-presidente do Supremo, Ayres
Britto, justifica a atuação extrajudicial do STF sem muitos pudores.
Diz que “o experimentalismo” do Supremo se explica
pela “inércia do legislador.” Ou seja: com este Congresso lento, sem lideranças
(quem sabe preguiçoso e corrupto, não é assim?), o STF se acha no direito de
fazer mais do que a lei manda. É a Constituição à moda de Ayres Britto.
Eu acho muito estranho que alguém reclame da
omissão do Congresso semanas depois da aprovação de uma lei crucial para
o bem-estar do país -- a legislação que regula o trabalho doméstico, última
herança do regime escravocrata.
Considerando que foi uma legislação criada pelos
parlamentares e aprovada por eles, após pressões, manobras protelatórias e
ataques de todo tipo, que se prolongaram durante anos, pergunto como alguém
pode reclamar do Congresso nesses dias, como se fosse possível esquecer um avanço
numa área que se encontrava estagnada desde 13 de maio de 1888.
Ou melhor: entendo perfeitamente porque se fala mal do
Congresso por esses dias. Uma pena.
Há outras coisas, também.
Jornalistas que integram a Associação Brasileira de
Jornalismo Investigativo, que possui tantos profissionais respeitáveis em seu
quadro de sócios e dirigentes, resolveram convidar o presidente do STF para uma
palestra.
Pergunto se aquele jornalista que deveria chafurdar na
lama estará na plateia.
E aquele outro, brother, que ousou perguntar pela
serenidade do ministro do STF, e foi advertido que isso era visão de branco?
Podemos imaginar, desde já, o próximo release
explicando, mais uma vez, que o ministro falou na ABRAJI como acadêmico, num
“exercício intelectual”, numa tentativa de disfarce conhecido, pois poder não
faz “análise”, nem “sociologia”, nem “psicologia”.
Poder é poder durante 24 horas do dia.
Se isso fosse verdade, não haveria motivo aceitável
para um assessor do STF esclarecer opiniões privadas do seu presidente,
concorda?
Não custa lembrar que movimentos temerários de
aproximação com posturas autoritárias costumam fazer vítimas entre os
companheiros de viagem.
Principal trombone do golpe de 64, Carlos Lacerda não
demorou a perder seus direitos políticos. Articulador civil do golpe, o
Estado de S. Paulo tornou-se alvo prioritário da censura.
Depois de apoiar centros de tortura, nossos
espertalhões de ontem derramam lágrimas de crocodilo quando falam sobre as
revelações da Comissão da Verdade.
Aliomar Baleeiro, udenista que foi golpistas em 1954,
1956 e 1964, acabou a carreira no Supremo, fazendo arrependidas
manifestações a favor os direitos humanos e das liberdades públicas.
Tarde demais – mesmo para limpar biografias.
A questão de Joaquim é aqui e agora.
Em maio de 2013, o ambiente em torno do Supremo é
outro. O debate sobre embargos irá abrir, necessariamente, uma discussão que
ficou abafada durante o julgamento, em torno de falhas e contradições que
ajudaram a produzir penas tão severas.
Será difícil repetir aquele ambiente de unanimidade
cívica do ano passado.
Mas Joaquim vai tentar.
Fonte – Blog do Saraiva
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