Paulo
Nogueira
O hiperfracassado ministro da hiperinflação
insiste em dar lições aos brasileiros.
Ele, Maílson
Algum tempo atrás, elegi o pior livro do ano sem
lê-lo, porque era desnecessário. Era a peroração desinformativa de Merval
Pereira sobre o mensalão, com a contribuição de um prefácio simplesmente amoral
de Ayres Britto. (Nunca um jornalista e um juiz devem se unir de forma tão
acintosa, porque é um perigo para o interesse público por razões óbvias: são
duas instâncias que na verdade devem se vigiar uma à outra.)
Agora elejo o pior documentário do ano sem vê-lo
por ser, igualmente, desnecessário. É a obra, aspas, de Mailson da Nóbrega, o
famoso ministro da fazenda dos 80% de inflação ao mês. O nome é “O Brasil deu
certo. E?”
No site Opera Mundi, pediram que os leitores
completassem o título. Um leitor brilhou: “O Brasil deu certo apesar de você”.
Maílson foi um horror como ministro.
Sempre me chamou a atenção como, tendo legado
80% ao mês de inflação, ele tenha se tornado depois colunista da Veja e fonte
de tantos jornalistas da área econômica.
O que aconteceu, essencialmente, é que Mailson
passou a falar, pós-governo, tudo aquilo que as grandes empresas de mídia
querem que seja dito. A despeito de sua passagem calamitosa por Brasília, isso
foi suficiente para dar-lhe microfone e amplificadores.
A esse atributo se somou a excepcional
disponibilidade de Mailson. Ele atende todo mundo.
Isso também conta.
No começo dos anos 1980, eu tinha 20 e poucos
anos e trabalhava na seção de economia. Elio Gaspari, o “General”, como era
conhecido na redação, era o diretor-adjunto.
Elio muitas vezes se encostava nas divisórias
baixas que separavam as editorias e falava sobre jornalismo. Para quem começava
na carreira, como eu, era uma oportunidade excepcional de aprendizado.
Uma noite ele falou sobre fontes.
“As fontes são aquelas pessoas que atendem todos
os telefonemas dos jornalistas”, ele disse. “Não são as melhores, são as mais
fáceis, e isso faz diferença para repórteres preguiçosos.”
Um caso específico Elio citou: o então
presidente da Fiesp, Luís Eulávio Vidigal. Ele era onipresente nas reportagens
de economia e negócios na mídia brasileira, porque não recusava uma única
entrevista.
Mais tarde, quando virei eu mesmo editor, fonte
foi um tema sobre o qual me detive longamente nas conversas com os repórteres.
Em meados dos anos 1990, na casa dos 30, eu era
diretor de redação da Exame. Jamais esquecera as palavras de Elio, mas
acrescentei uma reflexão pessoal: prestar completa atenção na obra, no mérito
da fonte.
Foi sob essa lógica que refizemos o time das
fontes da revista.
Uma das primeiras eliminações, se não a
primeira, foi o ex-ministro Maílson da Nóbrega, obra de Sarney. Por uma razão
potente: ele deixara o cargo com uma inflação de 80% ao mês. Depois de um
desempenho tão catastrófico, que sentido havia em ouvi-lo mandar fazer as
coisas que ele próprio não conseguira fazer?
Maílson pretendia atacar os problemas econômicos
com o que ele chamou de “arroz com feijão”. Foi uma das raras vezes em que os
brasileiros sofreram violentamente com o arroz com feijão.
A Exame, e não apenas nisso, foi contra a
corrente.
Maílson continuou a ser ouvido por repórteres de
todas as mídias para tratar de economia. A presença constante no
noticiário — ajudou a empurrar adiante a consultoria que ele montou
pós-governo, a Tendências.
Foi como se a celebridade de alguma forma
obscuresse sua obra desastrosa como ministro.
É uma troca: ele usa a mídia e é usado por ela.
O leitor? Ora, o leitor que se dane.
Do alto do legado hiperinflacionário, Mailson dá
lições aos brasileiros sobre tudo aquilo que ele foi incapaz de fazer. No
papel, ele resolve os problemas em cujo trato fracassou miseravelmente.
Já foi dito aqui que maus editores são tão
nocivos, para a mídia tradicional, quanto a internet.
Maílson é uma pequena prova disso.
Por tudo isso, concedo a seu documentário,
antecipadamente, o prêmio de pior do ano, da década, do século, do milênio, da
eternidade.
Per omnia saecula seculorem.
Fonte
– diariodocentrodomundo
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