Paulo Nogueira
Eis um caso inaceitável de infração de ética de mão
dupla.
Um asterisco aparece no nome da jornalista do
Globo que escreve textos sobre Joaquim Barbosa em falas na Costa Rica.
Vou ver o que é o asterisco.
E dou numa infração ética que jamais poderia
acontecer no Brasil de 2013.
A repórter viaja a convite do Supremo.
É um dado que mostra várias coisas ao mesmo
tempo.
Primeiro, a ausência de noção de ética do
Supremo e do Globo.
Viagens pagas já faz tempo, no ambiente
editorial mundial e mesmo brasileiro, são consensualmente julgadas inaceitáveis
eticamente.
Por razões óbvias: o conteúdo é viciado por
natureza. As contas do jornalista estão sendo bancadas pela pessoa ou
organização que é central nas reportagens.
Na Abril, onde me formei, viagens pagas há mais
de vinte anos são proibidas pelo código de ética da empresa.
Quando fui para a Editora Globo, em 2006, não
havia código de ética lá. Tentei montar um, mas não tive nem apoio e nem tempo.
Tive um problema sério, na Globo, em torno de
uma viagem paga que um editor aceitou.
Era uma boca-livre promovida por João Dória, e o
editor voltou dela repleto de brindes caros, outro foco pernicioso de corrupção
nas redações.
Fiquei absolutamente indignado quando soube, e isso me
motivou a fazer de imediato um código de ética na editora.
Surgiu um conflito do qual resultaria minha
saída. Dias depois de meu desligamento, o editor voltou a fazer outra viagem
bancada por Dória, e desta vez internacional.
Bem, na companhia do editor foi o diretor geral
da editora, Fred Kachar, um dos maiores frequentadores de boca livre do
circuito da mídia brasileira.
Isto é Globo.
De volta à viagem de Costa Rica.
Quando ficou claro que viagens pagas não podiam
ser aceitas eticamente, foi a Folha que trouxe uma gambiarra ridícula.
A Folha passou a adotar o expediente que se viu
agora no Globo: avisar que estava precaricando, como se isso resolvesse o caso
da prevaricação.
A transparência, nesta situação, apenas amplia a
indecência.
A Globo sabe disso. Mas quando se trata de
dinheiro seus limites morais são indescritivelmente frouxos.
Durante muito tempo, as empresas jornalísticas
justificaram este pecado com a alegação de que não tinham dinheiro suficiente
para bancar viagens.
Quem acredita nisso acredita em tudo, como disse
Wellington. Veja o patrimônio pessoal dos donos da Globo, caso tenha alguma
dúvida.
É ganância e despudor misturados – e o
sentimento cínico de que o leitor brasileiro não repara em nada a engole tudo.
Então a Globo sabe que não deveria fazer o que
fez.
E o Supremo, não tem noção disso?
É o dinheiro público torrado numa cobertura
jornalística que será torta moralmente, é uma relação promíscua – mídia e judiciário
– alimentada na sombra.
Para usar a teoria do domínio dos fatos, minha
presunção é que o Supremo não imaginava que viesse à luz, num asterisco, a
informação de que dinheiro do contribuinte estava sendo usado para bancar a
viagem da jornalista do Globo.
Como dizia meu professor de jornalismo nas
madrugadas de fechamento de revista, quando um texto capital chegava a ele e
tinha que ser reescrito contra o relógio da gráfica, a quem apelar?
Fonte – Diario do Centro do Mundo
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