Por Rodrigo Vianna, a partir
de indicação de @nilsonlage
tradução do Le Monde
A notícia é manchete no portal do “Le Monde” – o
mais tradicional jornal francês: um fundamentalista se suicidou na
França. E o gesto teria conotações políticas. Os mais apressados devem
ter pensado: trata-se de um muçulmano desesperado, mais um na imensa
diáspora de imigrantes árabes em Paris? Afinal, a imprensa ocidental
acostumou-se a fazer a relação: “fundamentalismo”/muçulmano.
Só que a notícia é surpreendente e deve
provocar arrepios entre os velhos liberais franceses: o gesto extremo foi de um
francês, católico. Um militante da extrema-direita católica francesa. Sim.
E o mais impressionante: ele se suicidou dentro da Catedral de Notre-Dame. A
seguir, as informações, traduzidas (com meus parcos conhecimentos de francês)
doportal do “Le Monde”.
Dominique Venner, ensaísta e historiador de
extrema-direita de 78 anos, antigo membro da Organização Armada Secreta (OAS),
cometeu suicidio nesta terça-feira, dentro da catedral de Notre Dame, em Paris.
Ele tombou, sem dizer uma palavra, atrás do altar, depois de dar um tiro na
boca, por volta das 4 da tarde. Um segurança chegou a fazer massagem cardíaca.
Monsenhor Patrcick Jacquin, responsável pela catedral, disse que Venner deixou
uma carta sobre o altar: “Era uma cena apocalíptica, nunca vista aqui“,
disse Jacquin para a imprensa.
O ministro do Interior francês disse que o
suicídio aconteceu quando havia 1.500 pessoas na catedral, que é – segundo ele
- “um dos símbolos de Paris e de nosso país”.
O objetivo de Venner parece ter sido este mesmo:
um gesto extremo, num lugar simbólico para o catolicismo francês.
Marine Le Pen, dirigente da “Frente Nacional”
(partido da extrema-direita francesa, fundado pelo pai dela), logo se
manifestou no twiter qualificando o suicídio como “um gesto político”.
Antigo militante da extrema-direita, Venner foi
paraquedista durante a Guerra da Argélia, e lutou para que o país africano
seguisse sendo uma colônia francesa.
O site do “Le Monde” informa que Venner teria
deixado uma outra mensagem, em que diz amar a vida, a mulher e os filhos,
mas que julgou necessário “o sacrifício para romper a letargia”. O
ensaísta acha que é preciso mostrar as ameaças contra a “família” e “nossa
multimilenar civilização” – numa referência à cultura tradicional
francesa.
A direita francesa tem feito grandes
manifestações contra a lei que aprovou o casamento gay no país. Venner escreveu
que não basta combater o casamento gay. Para ele, o inimigo principal seria o
Imigrante (esse grande “outro”, ameaçador, que toma o lugar do judeu na
mitologia do fascismo francês). A imigração de árabes (que, em sua maioria,
professam fé muçulmana) é vista pela direita como ameaça à identidade da
chamada “Civilização Européia”.
No próximo dia 26 (domingo), uma grande marcha
foi convocada pela extrema-direita e por grupos cristãos tradicionalistas. O
gesto extremo de Venner pod ser lido como uma tentativa de mobilizar os
militantes ultraconservadores e xenófobos.
O ato de Venner mostra que o fundamentalismo
religioso chegou ao coração da Europa. Ou, talvez, tenha estado sempre ali –
feito o monstro da lagoa que de repente vem à superfície.
O professor e jornalista Nilson Lage, pelo
twitter nesta terça à tarde, comentou: “Espetacular suicídio: monge
tibetano? Militante árabe? Não. Um católico fundamentalista homófobo francês”.
E, mais tarde completou: “É bom lembrar que a França é o berço dos
primeiros grandes teóricos do fascismo no Século XX: Le Bon, Maurras e Sorel.”
O site Opera Mundi lembrou que Venner deixou um
último texto em seu blog, com indicações do que considera os próximos passos
para mobilizar a extrema-direita:
Em seu texto, ele criticou toda a classe
política, com exceção do partido de extrema-direita Frente Nacional. “Após 40
anos, os políticos e governos de todos os partidos (salvo o FN), além dos
empresários e da Igreja, trabalharam ativamente para acelerar de todas as
maneiras a imigração dos afro-magrebinos”, escreveu.
Segundo ele, “são necessários gestos novos,
espetaculares e simbólicos para fazer agitar essa sonolência chacoalhar as
consciências anestesiadas e despertar a memória para as nossas origens”.
Verdade que Paris tem como um dos seus símbolos
o lindo prédio do Instituto da Cultura Árabe. Prova de que boa parte dos
franceses (e, sobretudo, o Estado francês) tem conseguido incorporar os
traços de outras culturas. Mas há uma outra França que se agita: a mesma que
deu as boas-vindas a Hitler nos anos 40. A França de Vichy, dos colaboracionistas.
A França fascista.
Assustador? A história não se repete, ok. Mas já
vimos filme parecido nos anos 20/30 – em meio a crise econômica tão severa como
a atual.
Fonte
- Blog do Nassif
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