Na apresentação dos resultados produzidos
durante o primeiro ano de funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, o
grupo que coordena os trabalhos acusa a Marinha brasileira de ocultar da
Presidência da República, do Ministério da Justiça e da Câmara dos Deputados,
já no período democrático, documentos referentes a vítimas mortas durante a
ditadura militar.
O cruzamento de um prontuário secreto da Marinha
de dezembro de 1972 com um documento de 1993 enviado pela própria Marinha ao
governo Itamar Franco revela discrepância de informações a respeito do
paradeiro de pessoas.
Segundo a comissão, esse relatório sigiloso do
Cenimar (órgão de espionagem da Marinha) traz uma relação extensa de nomes de
pessoas que o regime sabia que estavam mortas até aquele mês de 1972.
No entanto, em 1993, o então presidente Itamar
Franco solicitou dados à Marinha sobre desaparecidos e a comissão conseguiu
cruzar ao menos 11 nomes, incluindo o de Rubem Paiva, que constam do
prontuário, mas que a Marinha informou que tinham desaparecido ou fugido.
"É o primeiro documento oficial que diz que
Rubem Paiva está morto, mas, em 1993, a Marinha informa que ele fugiu o seu
paradeiro é desconhecido", afirmou a historiadora Heloísa Starling, que
faz parte do grupo de pesquisadores da comissão.
"Cruzamos os documentos e chegamos a 11
nomes nesta avaliação parcial. A Marinha brasileira ocultou deliberadamente
documentos já no período democrático. O culto ao segredo na Cenimar [órgão de
informação a Marinha] é levado até as últimas consequências. E foi um dos
organismos mais ferozes no interior da estrutura repressora."
Segundo a comissão, os prontuários da Marinha
sobre essas 11 pessoas somam 12.072 páginas, mas não foram disponibilizados ou
entregues ao presidente Itamar Franco.
Deputado
informa que pedirá esclarecimentos à Marinha
I
ndagada se a questão já havia sido levada ao
conhecimento do Palácio do Planalto para cobrar esclarecimentos da Marinha, a
coordenadora da comissão, Rosa Cardozo, disse que não poderia antecipar
desdobramentos das ações do grupo.
Presente na plateia, o deputado federal Chico
Alencar (PSOL-RJ) pediu a palavra e informou que pretende enviar requerimentos
às Forças Armadas para que prestem esclarecimentos ao Congresso. "Supõe-se
que a mentira de 1993 não vai ser reiterada", afirmou.
Maria Rita Kehl, integrante do colegiado,
rebateu as críticas por parte das Forças Armadas de que a comissão mancharia a
honra delas. "Foram as Forças Armadas que mancharam a sua honra com essas
práticas e hoje podem recuperar a sua honra colaborando com a comissão."
Comissão
comprova que tortura começou antes da luta armada e atingiu também agentes de
Estado
Na apresentação do balanço, também foram exibidos
documentos da Marinha que reconhecem o uso de violência por agentes do Estado
sobre seus próprios agentes a ponto de incapacitá-los para o trabalho.
Outro documento revelado pela comissão,
classificado de ultrassecreto, mostra que a cúpula dos governos militares tinha
ligações diretas com o CODI (Centro de Operações de Defesa Interna), órgão
encarregado do planejamento, controle e repressão de atividades políticas
durante a ditadura militar. Isso evidencia a responsabilidade do Estado e não
apenas de indivíduos isolados.
"Temos muitos depoimentos dizendo que
chegavam aos ministros, mas não tínhamos nenhum documento rubricado pelo
comando que mostrasse a linha de comando chegando aos ministros militares. Essa
estrutura é interessante porque ela é em rede. O comando do CODI tem três
linhas de comunicação direta com os ministros do Exército", afirmou a
historiadora.
No primeiro ano de trabalho, a comissão também
identificou que a prática da tortura por parte do Estado começou antes mesmo do
início da luta armada e de 1968, quando foi instituído o Ato Institucional 5,
medida que endureceu ainda mais o regime. "A tortura está na origem da
ditadura, antes do início da luta armada", afirma a historiadora.
Fonte – uol.com.br
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