Numa ação em que se
discutia a competência do Senado Federal para o controle de
constitucionalidade, a mesma em que Marco Aurélio Mello perguntou a Gilmar
Mendes se ele pretendia "declarar guerra total ao Congresso
Nacional", o ministro Ricardo Lewandowski resgata os fundamentos teóricos
da separação entre os poderes e afirma que não se pode deslocar a competência
atribuída pela sociedade brasileira ao Legislativo para o Judiciário; Gilmar
está cada vez mais isolado na sua invasão ao Congresso
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Foi preciso que o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal,
resgatasse Montesquieu, pai da teoria da separação entre os poderes, para
ensinar ao colega Gilmar Mendes que um determinado poder não pode invadir as
prerrogativas de outro – como Gilmar fez recentemente ao impedir a tramitação
de uma lei sobre fidelidade partidária. Isso ocorreu na mesma sessão em que
outro ministro, Marco Aurélio Mello, perguntou a Gilmar se ele pretendia
"declarar guerra total ao Congresso" (leia mais aqui).
Em seu voto, Lewandowski resgatou os fundamentos
teóricos da separação entre os poderes, relembrando Montesquieu. "O
referido teórico, para tanto, concebeu a famosa fórmula segundo a qual “le pouvoir
arrete le pouvoir”, de modo a evitar que alguém ou alguma assembleia de
pessoas possa enfeixar todo o poder em suas mãos, ensejando, assim, o surgimento
de um regime autocrático", disse ele.
Confira, abaixo, trecho do voto em que
Lewandowski deu uma aula de democracia a Gilmar Mendes, que começa a ficar
isolado no STF:
Tal
interpretação, contudo, a meu ver, levaria a um significativo aviltamento da
tradicional competência daquela Casa Legislativa no tocante ao controle de
constitucionalidade, reduzindo o seu papel a mero órgão de divulgação das
decisões do Supremo Tribunal Federal nesse campo. Com efeito, a prevalecer tal
entendimento, a Câmara Alta sofreria verdadeira capitis diminutio no tocante a
uma competência que os constituintes de 1988 lhe outorgaram de forma expressa.
A
exegese proposta, segundo entendo, vulneraria o próprio sistema de separação de
poderes, concebido em meados do século XVIII na França pré-revolucionária pelo
Barão de la Brède e Montesquieu, exatamente para impedir que todas as funções
governamentais – ou a maioria delas - se concentrem em determinado órgão
estatal, colocando em xeque a liberdade política dos cidadãos. O referido
teórico, para tanto, concebeu a famosa fórmula segundo a qual “le pouvoir
arrete le pouvoir”, de modo a evitar que alguém ou alguma assembleia de pessoas
possa enfeixar todo o poder em suas mãos, ensejando, assim, o surgimento de um
regime autocrático.
Não
se desconhece que alguns críticos asseveram que a teoria da separação de
poderes jamais foi aplicada tal como originalmente concebida, consubstanciando
mera prescrição de natureza formal. 9 Em que pesem, contudo, as imperfeições do
sistema, que os norte-americanos denominam de checks and balances, após
terem-no inserido pioneiramente em sua Constituição de 1787, 10 entendo que
elas não têm o condão de legitimar a ablação de uma competência constitucional
expressamente atribuída a determinado Poder.
Suprimir
competências de um Poder de Estado, por via de exegese constitucional, a meu
sentir, colocaria em risco a própria lógica do sistema de freios e contrapesos,
como ressalta Jellinek. 11
Não
se ignora que a Constituição de 1988 redesenhou a relação entre os poderes,
fortalecendo o papel do Supremo Tribunal Federal, ao dotar, por exemplo, as
suas decisões de efeito vinculante e eficácia erga omnes nas ações diretas de
constitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade (art. 102,
§ 2o). O fortalecimento do STF, no entanto, não se deu em detrimento das
competências dos demais poderes, em especial daquela conferida ao Senado
Federal no art. 52, inc. X, da Carta em vigor.
Não
há, penso eu, com o devido respeito pelas opiniões divergentes, como cogitar-se
de mutação constitucional na espécie, diante dos limites formais e materiais
que a própria Lei Maior estabelece quanto ao tema, a começar pelo que se contém
no art. 60, § 4o, III, o qual erige a separação dos poderes à dignidade de
“cláusula pétrea”, que sequer pode ser alterada por meio de emenda
constitucional.
A
nova interpretação que se pretende dar ao dispositivo em comento, a meu ver,
difere - e muito - da mutação reconhecida quanto ao art. 97 da Constituição.
Nesse caso, a transformação operou-se a partir de uma práxis processual adotada
pela Suprema Corte, que, sem desrespeitar qualquer princípio ou norma
fundamental de nosso ordenamento jurídico, acabou por dispensar a rígida
observância do que nele se contém quando se trata da apreciação de casos cujas
teses já tenham sido julgadas pelo Plenário.
(…)
Mas
o que se propõe aqui é algo inteiramente diferente. Almeja-se, na verdade,
deslocar uma competência atribuída pelos constituintes a determinado Poder para
outro. Não me parece, contudo, seja possível materializar-se tal desiderato,
mesmo porque os próprios teóricos da mutação constitucional reconhecem que esse
fenômeno possui limites.
(…)
Com
efeito, se o dispositivo em questão assinala, com todas as letras, que compete
ao Senado Federal a suspensão de norma declarada inconstitucional por esta
Corte, assim o é, literalmente. Ainda que se possa, no mérito, discordar do que
nele se contém, o preceito em tela constitui o Direito posto, e que não admite,
dada a taxatividade com que está vazado, maiores questionamentos.
Fonte – Brasil247
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