Por
Miguel do Rosário
Alguns livros já foram escritos sobre o mensalão
enquanto processo político, outros tanto sobre o julgamento. Entramos
agora, porém, numa outra fase bibliográfica, muito mais decisiva. Junto
com as últimas defesas dos réus (os embargos), vieram à luz uma série de
documentos até então subtraídos à consulta pública. Estes documentos vieram se
somar à perplexidade, até hoje não superada, em relação ao sinistro circo que
assistimos em 2012, quando juízes da mais alta corte rasgaram os princípios
básicos do direito moderno, do bom senso e da própria jurisprudência para
chancelarem um justiçamento que interessava a poderosos agentes do
conservadorismo político nacional.
A mentira segue o padrão de uma doença. Ela fere
o corpo com enorme virulência num primeiro momento; em seguida, o uso dos
remédios certos e, sobretudo, a entrada em ação de anticorpos, gera um período
de convalescença; por último, o corpo humano pode sair fortalecido. Digo “pode
sair”, porque é preciso que tenha, efetivamente, vencido a doença; em caso
contrário, poderá sofrer uma reincidência muito mais lesiva, ou mesmo fatal.
O processo do mensalão caminha por duas vias,
que às vezes se tocam, em outras se afastam, mas desde o início interagindo
intensamente. Numa, há o julgamento nas instituições. Noutra, na opinião
pública. Nas instituições (STF e, eventualmente, alguma corte internacional), o
julgamento se aproxima do fim de um ciclo. Na opinião pública, a última palavra
não é dada por nenhum ajuntamento burocrata, doméstico ou estrangeiro, e sim
por esta vetusta, calma e irônica senhora chamada História. Neste campo, o
julgamento ainda está só começando.
Agora sim, as pessoas têm acesso aos documentos.
Não documentos periféricos, referentes a detalhes do processo, mas documentos
estratégicos, centrais, que determinam e embasam todas as acusações e todas as
defesas.
Agora sim, terminado o ruflar histérico de
tambores que testemunhamos em 2012, num julgamento realizado em paralelo a um
processo eleitoral, podemos analisar o processo do mensalão com serenidade.
Podemos escutar as versões dos réus, ler os documentos, conversar francamente
sobre o que realmente aconteceu naquele período.
Temos ainda um mínimo de distanciamento
histórico para entender uma série de coisas. Mais importante que tudo:
entendemos hoje os resultados profundamente danosas à democracia se não
levarmos esse debate às últimas consequências.
É aí voltamos a nos encontrar com o que existe
de mais sólido em nós mesmos. Não apenas queremos saber a verdade, a verdade
nua e crua: nesse ponto, queremos agir com a seriedade que faltou aos juízes.
Queremos ler, reler e analisar os documentos, alguns deles só há pouco
disponibilizados ao público. São estes documentos que nos dão base para assumir
uma postura bem diferente a partir de agora. Não mais na defensiva. Queremos
encetar um contra-ataque político que vise cobrar uma parte, ao menos, do
profundo dano moral que as arbitrariedades causaram a milhões de brasileiros e
à democracia.
Não temos interesse de eximir o PT dos erros e
dos crimes que tenha cometido. Mas a questão já não é o PT. A questão, hoje, é
a discussão da verdade, a denúncia do arbítrio, da mentira, e do insuportável
risco à democracia que é a conversão do Supremo Tribunal Federal num instrumento
político e partidário manipulado por interesses econômicos obscuros.
Os documentos provam que a teoria do mensalão
não se sustenta. Podemos admitir, com profunda tristeza, que um STF corrompido
pela vaidade e pela chantagem, possa enveredar pelo arbítrio e agir na
contramão da ética e da legalidade. Isso nos deixa consternados e preocupados,
mas um processo político ainda é algo maior que tudo isso. O que não deixaremos
passar, jamais, é a manipulação da história. Os ministros do STF, a mídia, a
procuradoria geral da república serão denunciados às futuras gerações como
protagonistas de uma vergonhosa página da política brasileira. A Constituição
Brasileira não é apenas um punhado de leis. Ela encarna um espírito, uma visão
de mundo, um destino. E nisto houve uma traição imperdoável dos juízes aos
valores encorpados na Carta Magna.
O PT não é santo. Houve caixa 2 nas campanhas de
2002, 2004, 2006, possivelmente em todas as campanhas petistas. O PT foi o
único partido que assumiu francamente a culpa de fazer o que todos faziam:
caixa 2.
Mas o STF fez de tudo justamente para derrubar a
teoria do caixa 2 e, contra todas as evidências documentais, produziu uma tese
fictícia, sustentada sobre declarações vazias, testemunhos contraditórios e
ilações descabidas. As maiores lideranças políticas de uma geração foram
condenadas sem apresentação de nenhuma prova. A mídia conseguiu derrubar
líderes eleitos para glorificar heróis no Ministério Público e no Judiciário –
o que não seria exatamente um problema não fosse a quantidade constrangedora de
erros crassos, contradições, injustiças, que caracterizaram o julgamento.
Lembrando o ditado popular, é hora da onça beber
água. Contra o arbítrio, vamos contrapor o debate democrático, à luz do dia,
transparente, feito com serenidade, amparados em documentos. Eu farei a parte
que me cabe como jornalista, blogueiro e intelectual: trabalhar duro, escrever,
ponderar, analisar. O Paulo Moreira Leite escreveu um excelente livro sobre o
tema, mas há um manancial de informações ainda não explorado e, sobretudo, não
concatenado num conjunto.
Em suma, durante as próximas semanas, O
Cafezinho publicará uma série de artigos diários sobre o mensalão, ancorado em
documentos e entrevistas com pessoas que sabem, com relativa precisão, tudo o que,
de fato, aconteceu.
O primeiro artigo virá ao ar hoje à noite, sábado, dia 11 no
domingo à tarde, dia 12 de maio de 2013, fruto de uma longa entrevista que
realizei por esses dias com Henrique Pizzolato, além de muitos documentos.
Ao cabo de algumas semanas ou meses,
possivelmente publicaremos um livro. Felizmente já existe um bom filão no
mercado para quem deseja explorar o outro lado das histórias midiáticas, como
mostraram as tiragens espetaculares da Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro Jr,
e da A Outra História do Mensalão, de Paulo Moreira Leite. A direita platinada
publicou uma dezenas de livros com a sua versão sobre o mensalão. A esquerda
agora inicia a produção de sua própria bibliografia.
Fonte – ocafezinho.com
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